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terça-feira, 12 de janeiro de 2010

A presença portuguesa no Oriente

A presença portuguesa no Oriente é um texto da Historiadora Beatriz Basto da Silva publicado na revista "Macau" em Janeiro de 1990, p. 48-49.

Macau é a expressão acabada do sonho português quinhentista, o seu mais elevado expoente de realização.
Foco de concentração e irradiação, simbolizado pelo seu farol no alto da Colina da Guia, soube reunir a ciência, a religião, o comércio e a diplomacia, soube aceitar e dar-se ao longo de mais de quatrocentos anos de permanência como generoso campo de encontro do Oriente com o Ocidente.
Que Vasco da Gama sabia dar valor à China, sabemo-lo pelos presentes de porcelana que, em 1499, ofereceu, no seu regresso daíndia, à rainha de Portugal.
Quanto a D. Manuel l, tomou mesmo a iniciativa de mandar Diogo Lopes Sequeira, em 1508, «perguntar pelos Chins». As respostas foram-lhe chegando nos anos seguintes, por várias vias e cada vez mais precisas.
Afonso de Albuquerque, em 1512, comunica ao rei que a cidade que acaba de tomar -- Malaca -- «o terminal dos comerciantes da China». Por isso mesmo, em 1513, Jorge Álvares foi enviado de Malaca a essa China misteriosa, desembarcando em Tamau, onde lançou um padrão, como era hábito naquelas circunstâncias. Num espaço de dois anos, não mais, corre já na Europa (via ltália) a notícia dessa viagem, de tão promissores resultados comerciais. Embaixadas seguem a esteira do caminho aberto por aquele navegador, rumo ao lendário e antiquíssimo Catai.
Antecipando-se às estratégias da Coroa, os mercadores portugueses entenderam-se com alguns pontos costeiros da China e ilhas sobretudo no Sul, começando de imediato uma clandestina mas altamente rendosa troca de produtos.
Depois de inúmeros reveses numa relação comercial que se rodeava de equívocos e imprecisões, as autoridades de Cantão admitem, porque lhe atribuem vantagens, conhecer a nossa presença; fazem com Leonel de Sousa (em 1554) um assentamento autorizando oficialmente, primeiro, esse comércio e, pouco depois, a edificação de algumas habitações para apoio do trato, no porto abrigado que viria a ser Macau. De 1557 a 1560, o exíguo entreposto toma proporções de povoação e obedece ao capitão-mor da entretanto iniciada viagem ao Japão; na ausência dele, há um governo local de eleição popular, que virá a constituir, em 1583, o Leal Senado.
Em 1575 é criada a Diocese de Macau, e com ela toma forma o sonho de evangelização da China que S. Francisco Xavier tanto acalentava e que a morte (Sancian, 1552) não deixou realizar. Como que obrigados por essa última vontade, são os Jesuítas, chegados por via de Goa, quem mais diligencia para que a tarefa seja cumprida, quer recorrendo a meios religiosos e assistenciais, quer estribando-se na sua preparação humanísrica e científica, que lhes abriu as portas até ao coração do Grande Império.
Macau prosperou em todos os sentidos enquanto o comércio com o Japão lhe garantia a posse de uma das moedas de troca mais aceites na economia mundial de então -- a prata. Sob pretexto da dominação filipina (1580-1640) sofremos a concorrência dos Holandeses, inimigos de Espanha, em toda a nossa zona de especiarias e no Pacífico.
Tal situação não só abalou as estruturas económicas em que assentávamos, como determinou a perda de Malaca (1641) e da navegação pelo Estreito; quase ao mesmo tempo, o Japão corta relações com os Portugueses.
Macau é o ponto português mais afectado: conhece a fome e o desespero. É o Sião, hoje Tailândia, quem ajuda a enfrentar a crise, com um valioso empréstimo de prata. As relações diplomáticas com aquele país estreitam-se, intensificando-se os contactos de amizade que ainda hoje perduram. No final do século XVII começa a desenhar-se, com a Questão dos Ritos, uma longa época de perturbações no seio do clero regular. O conflito religioso prolonga-se por todo o século XVIII, ao mesmo tempo que se avolumam dissidências graves entre o Governo e o Senado de Macau. No entanto, a dívida da cidade para com o Sião é saldada e, quando na 'lndia (1740) é declarado o estado de guerra, a câmara reúne-se para enviar auxílios. A situação económica aponta para uma, ainda que lenta, recuperação.
O imperador da China tem para com Portugal, via Macau, nova abertura, pedindo (1780) à nossa rainha D. Maria l e envio de mestres matemáticos, pintores e músicos. A organização interna tem um clima de acalmia que reverte a favor da prosperidade do tão diminuto quanto cobiçado território. A Inglaterra consegue, ao sair vitoriosa da Guerra do Opio com a China, que lhe seja concedida, como indemnização, a ilha de Hong Kong,em 1841. Aí funda o porto ecidadede Vitória, que, por se encontrar em melhor posição do que Macau face à navegação do Indico, acaba por estrangular e absorver o comércio numa zona em que, até ali, éramos os únicos a operar.
Em. 1844 é concedida a Macau autonomia governativa em relação a Goa, na nítida intenção de ser permitida ampla e rápida capacidade de resposta aos problemas relacionados com o novo vizinho europeu. Mas o golpe fora demasiado duro e Macau apagou-se até que, por esse preciso motivo, se transformou em oásis, quando se declarou, em pleno século XX, a Guerra do Pacífico. A movimentação internacional, depois o jogo e, nos últimos vinte anos, o surto industrial, permitem adivinhar que, na hora da partida, a China nos considerará como velhos amigos; quando admitiu o estabelecimento de Macau, no século XVI, encontrava-se num tradicional e redutor isolamento. Da abertura que voluntariamente nos concedeu resultou o renascimento da veneranda fénix, a caminho da modernidade que hoje tanto a prestigia.
A História que vivemos em comum nestes últimos séculos de respeito mútuo é a melhor garantia que esperamos viver, lado a lado, no futuro.

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