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sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Saudades de Macau - José L.R. Estorninho

The following reflections by José L. R. Estorninho is an adaptation of a piece that was published in the 'Casa de Macau Australia Newsletter', issue June 2007.
Memórias de José L. R. Estorninho a partir de um texto seu publicado em Junho de 2007 na Newsletter da Casa de Macau da Austrália.


To remember is to live. It is with fond memories that I put down some recollections of my childhood and of Macau. I lived in the block of houses in Rua da Praia Grande, an area of the city renowned for its ambience and the quality of life we enjoyed in those days. I remember for example, towards the end of the 50s and 60s, Rua da Praia Grande was the stage for many of the important happenings that took place in Macau. It was a place where everyday life manifested itself, from the highest to the humblest origins in the territory.
It was a place where we could enjoy beautiful views - watching sailing junks anchored in the bay, tranquilly framed by the shade of the large leafy trees, and yet at the same time it was a place that was bustling with colour and life. I can remember it to this day even though I was still a child at the time - anyone who lived there could never forget.
I remember pleasant men with their tricycles and rickshaws in front of our houses;the fishermen with their rods sitting on the embankment wall of the bay or in bamboo huts with their nets in front of the “Bom Parto” fort.I remember the coffee vendor “On Kei”; the grocer “A Hoi”; the “ngau nam min”; the fried “ngau lei sou”, and the “iau chá kuai” with “pak chuk”, “mak ngá tong” and “chu cheong fan”; “kau chang kou”; “tau fu fá”; “chá tau fu and van tan”; “ham ioc chong”; the woman selling bread and sweet cakes; fruits; and the man selling gasoline and the newspaper sellers, the “tin-tin” men who went around collecting newspaper and other items; and I remember, too, the men with their mobile carts selling ice cream. I remember the students and their senior missionaries of the Ricci School;
I remember father Moreira of S. Lourenço parish, who used to travel on foot down all those steps from his church, together with his assistant, down past the slope next to the Government Palace , carrying a cross, incense and holy water to come and bless our houses at Easter.
I remember the Pousada de Macau where the sweet smell of their famous traditional cooking would assail every passer-by, and their cooks in their white aprons, carefree and happy while they took time to rest outside in a free moment.
I remember the big typhoons that would come regularly in the hot summer months, devastating everything in their paths with strong winds which blew against our houses and whipped up great waves against the bay walls.
I remember the raising and the lowering of the Portuguese National flag and the guards of the colonial army from Mozambique at the Government Palace with their red Fez and mauser rifles with drawn bayonets - they were later replaced by the military police.
I remember the daily passage of the classic “Princess”, the dark limousine that used to carry the then governors of Macau to work.I remember the military parades to celebrate the National day on 10th June with substantial support of the population of Macau.
I remember the ferries “Tak Shin”, “Fat Shan” and the “Tai Loi” which would sound their loud horns to announce their arrival at Barra, the entrance to Inner Harbour.I remember the fireworks on 1st October to celebrate China’s National day followed by the nationalists on 10th October; I remember Chinese New Year, the dragon boat races; the foot races and the cycling races; and the Our Lady of Fatima procession to Penha Hill.
I remember the 123 incidents.
I remember the racing cars of the Macau Grand Prix and their drivers, the smell of burning oil and tyres from their cars and the ear shattering yet eloquent noises from their racing engines which permeated the whole area every year in November.
And finally, I remember Christmas, and the presents I would receive every year when I went to visit my old and good friend Rangel in house number 13 who sadly passed away last year.
Saudades de Macau
Porque recordar é viver, é com muitas saudades que venho aqui com algumas recordações da minha infância, assim como de Macau. Vivia eu então num dos quarteirões na Rua da Praia Grande, numa zona da cidade considerada priviligiada pelo ambiente e qualidade que desfrutávamos naqueles tempos. Recordo-me, como exemplo nos finais dos anos 50 e 60, onde era praticamente, ali na Rua da Praia Grande, onde se desenrolava a mudança e o palco dos maiores acontecimentos de Macau. Era também, por onde se vivia o quotidiano do dia a dia, desde as pessoas mais humildes à autoridade máxima do território.
Os acontecimentos mais importantes de Macau passavam muitas vezes quase, inevitavelmente, a escassos metros das nossas casas, e mesmo frente às nossas janelas. Parecia que tudo acontecia incrivelmente perto à nossa volta como se de um “écran” enorme, e um filme ao vivo se tratasse. Era realmente uma zona muito agradável para se viver, onde as nossas casas podiam desfrutar com uma bela vista para o mar, e os juncos de vela que na altura se ancoravam e atracavam junto àquela baía, com as suas àrvores frondosas, emprestavam um ar e ambiente calmo, mas que oferecia ao mesmo tempo, movimento e colorido à vida para quem ali morava.
Sendo, eu na altura ainda miúdo, mas também testemunho: Pois, para quem lá viveu nunca haverá de esquecer.
Recordo-me dos simpáticos homens dos triciclos ou “riquexó”, frente às nossas casas; e os homens com as canas de pesca, junto às muralhas da baía; ou a barraca de pesca, defronte à fortaleza do Bom Parto. Recordo-me das tendas de café “On Kei”, da mercearia “A Hói”; do “Ngau Nám Min”, e dos fritos “ngau lei sou e iau chá kuai” com “pák chuk”; dos “mak ngá tóng” e “chu cheong fan”; do “kau chang kou”; do “tau fu fá”; do “chá tau fu e van tan”; do “hám ioc chong”; a mulher dos pães doces e salgados; das frutas; o homem de “petróleo”, e o distribuidor de jornais; o homem dos “tin-tins” para recolha dos jornais e outros objectos; recordo-me, também, dos homens com os carrinhos ambulantes que vendiam sorvetes e gelados.
Recordo-me dos alunos e o missionário superior da escola Ricci; recordo-me do padre Moreira da paróquia de S.Lourenço, que fazia o percurso a pé até ao nosso bairro, depois da longa descida das escadarias da sua igreja, e da rampa, ao lado do Palácio do Governo, acompanhado por seu ajudante, empunhados de uma cruz e de incensos, e água benta para benzer as nossas casas, por altura da Páscoa.
Recordo-me da Pousada de Macau, que para quem lá passava era apanhado pelo forte cheiro da sua famosa e conhecida cozinha tradicional por onde se esfumava junto ao tardoz da garagem, com os seus cozinheiros de batina branca, despreocupados e bem dispostos se descansavam nos banquinhos durante as suas horas livres. Recordo-me dos grandes tufões que apareciam sistematicamente, nos meses quentes de Verão, e que assolavam fortemente com ondas e rajadas de ventos, as muralhas da baía e as nossas casas.
Recordo-me do hastear e arrear da bandeira nacional e as sentinelas do Palácio do Governo pela tropa colonial, de “cofió” de cor encarnada na cabeça, com as espingardas “mauser” munidos de sabre-baioneta - sendo mais tarde a guarda de honra ao governador substituída pela polícia militar. Recordo-me da passagem diária do clássico “Princess” um “limousine” de cor mista escura que servia diariamente para a deslocação dos então Governadores de Macau. Recordo-me da parada militar do dia 10 de Junho, com a população de Macau a assistir em peso. Recordo-me dos barcos-vapor “Tak Shin”, “Fat Shan” e “Tai Loi”, e os seus “buzinões” que emitiam nas suas carreiras entre Macau e Hong Kong, ao entrarem na barra. Recordo-me do fogo de artifício do dia 01 de Outubro, com a iluminação e as bandeirinhas engalanadas ao longo da Baía; do dia dos nacionalistas chineses, no dia 10 de Outubro; e do Ano Novo Chinês; das regatas de Barcos-Dragão; das corridas pedestres e do ciclismo; da procissão da Nossa Senhora de Fátima para a Penha.
Recordo-me dos incidentes de 123.
Recordo-me dos carros com os seus participantes do Grande Prémio de Macau, e do cheiro do óleo deixado pelos motores com o seu barulho ensurdecedor mas de som eloquente dos escapes livres, que empregnavam toda a zona, todos os anos no mês de Novembro, anunciando a sua chegada ao passar defronte às nossas casas.
Recordo-me, enfim, do Natal e das prendas de que ia recebendo todos os anos, quando ía visitar à casa nº13, do meu velho e bom amigo Rangel, a quem tristemente deixou-nos para sempre no ano passado.

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