Páginas

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Historic Macao de Montalto de Jesus

Ou como um só livro que teve duas edições levaram da glória à desgraça o seu autor...
Carlos Augusto Montalto de Jesus nasceu em Hong Kong, em 1863. Trabalhou no comércio e na banca, mas, dados os seus conhecimentos de línguas, desempenhou actividade de tradutor profissional. Durante a Primeira Guerra Mundial trabalhou, em Londres, na repartição de Propaganda e Censura e no Ministério dos Negócios Estrangeiros. Republicano, democrata e liberal, Montalto de Jesus foi, de Portugal e ao Brasil. Em 1922, integrou a delegação portuguesa à Conferência Internacional do Desarmamento em Washington.
Colaborador de vários jornais de Macau, Hong Kong, Xangai e Nova Iorque, proferiu conferências sobre assuntos históricos em vários países, entre os quais Inglaterra, EUA, Brasil e Portugal. Para além das suas duas obras de vulto – Historic Macao (1902 e 1926) e Historic Shanghai (1909), Montalto de Jesus deixou publicadas algumas das conferências e outros escritos, o primeiro dos quais, Centenary of India. Early Portuguese Intercourse with China, inserido no "Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa", de que era sócio correspondente, viria a constituir o Capítulo I do Historic Macao, na sua primeira edição (1902).
A primeira edição do Historic Macao (1902) trouxe honra e glória ao seu autor. A segunda (1926) foi a sua desgraça. As alterações e três novos capítulos introduzidos valeram a Montalto de Jesus uma campanha difamatória que, após condenação dos Tribunais que mandavam apreender e queimar o livro – o que veio a acontecer no verdadeiro 'auto-de-fé' público do Tanque do Mainato – só terminaria com a morte do autor na miséria, em Março de 1927, no Convento das Irmãzinhas dos Pobres, em Hong Kong. A tradução portuguesa do Historic Macao teve que aguardar mais de 60 anos para vir a prelo em 1990.
Ao que tudo indica foi em Macau que foi apreendido e censurado o primeiro livro de um autor português durante o Estado Novo. Em 1926 o então Governador de Macau, Maia Magalhães, mandou apreender a segunda edição do polémico Historic Macao.
A ordem de confiscar o livro foi cumprida com tal zelo, que a polícia foi de casa em casa em busca de exemplares existentes. Salvaram-se, porém, alguns exemplares que foram enviados para Hong Kong e Shangai, e outros que os seus possuidores conseguiram guardar em locais inexpugnáveis. A razão apontada para a apreensão do livro era a de que continha “matéria subversiva, atentatória da nossa soberania”, pelo facto de Montalto de Jesus defender a ideia de que o Território de Macau deveria ser internacionalizado sob a égide da Sociedade das Nações.
Obrigado a defender-se no Tribunal de Polícia Correcional de Macau, Montalto de Jesus queixou-se da apreensão de que o seu livro fora vítima, nos seguintes termos:“Visa a lei de imprensa manter a ordem e decência, suprimindo publicações, sediciosas ou imorais, legalmente condenadas. Ora, no meu livro Historic Macao, nada há que conscientemente possa ser tido como violação daquela lei. Foi por ordem deste Tribunal que se confiscou e suprimiu a obra em Macau, sem que eu fosse julgado primeiramente, ou que o livro fosse condenado legalmente”. Montalto de Jesus faleceria pouco tempo depois e o seu livro só viria a conhecer a primeira edição em português em 1990. Como escreve Jack Braga no seu livro Primórdios da Imprensa em Macau, “Macau só esteve isento de Censura entre 1842 e 1844”, razão porque a Censura foi sempre uma instituição abertamente assumida e até capaz de suscitar elogios públicos.

O diário “A Voz de Macau” publicava a 29 de Janeiro de 1945: “Segundo o Boletim Oficial de sábado último, foi, a seu pedido, exonerado do cargo de presidente da Comissão de Censura (de Macau), cargo que desempenhou com todo o zelo, lealdade, dedicação, e competência, o capitão de artilharia sr. José Joaquim da Silva Costa, sendo nomeado para esse cargo o capitão de artilharia, sr. Eduardo de Madureira Proença (...)”.Segundo Henrique de Senna Fernandes “os censores eram extremamente incompetentes. Não tinham preparação para aquele trabalho e cortavam a torto e a direito.”Por força da aplicação a Macau dos diplomas legais de 1927 e 1937, as restrições à liberdade de imprensa acentuaram-se e o mundo da edição tornou-se extremamente cauteloso. Não admira por isso, que Camilo Pessanha, um dos mais notáveis poetas portugueses, mas cujo modo de vida não agradava às autoridades, (era magistrado em Macau, mas vivia com uma chinesa, afogado em ópio) só viesse a ser conhecido em Portugal muitos anos depois da sua morte, sendo as referências à sua obra, em colectâneas escolares, anteriores ao 25 de Abril, reduzidas à amputada Clepsidra, (publicada em 1920 e reeditada integralmente, acompanhada de Outros Poemas em 1969) e ignorando as notáveis elegias chinesas, traduzidas e publicadas em 1944.

Sem comentários:

Enviar um comentário