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segunda-feira, 6 de abril de 2009

Rua da Felicidade

Travessa da Felicidade (1950)
Rua da Felicidade 1920

ca. 1990

A Rua da Felicidade - há ainda uma travessa, um beco e um pátio com o mesmo nome. Teve noutros tempos o seu momento áureo... era a rua dos bordéis. O seu nome em chinês é Fok Long San Kai, que é como quem diz, a Rua Nova da Felicidade Abundante. Fazia parte do bazar chinês (a abordar noutro post).
Era a zona de Macau de todos os prazeres: prostituição, ópio, comércio, restaurantes...
Desses tempos sobrevivem ainda as casas com uma grande porta (onde só entrava quem a dona do bordel permitisse) directa para a rua e uma varanda no 1º andar (onde eram mostradas as raparigas aos clientes). Todas as portas estão pintadas de vermelho (a cor do pecado). Muitas das casas são agora armazéns , mas este é um bairro tipicamente chinês ainda com muitas lojas de comida , de chás, bazares , etc.
Wenceslau de Moraes descrevea em 1890: "Comprida, soffrivelmente estreita, pouco farta de sol. Um renque de casitas iguais de cada lado, baixas, de pobre apparencia, feitas de tijolo negro. Aqui, ali, algumas lojas chinesas, com especialidades colaos, que são os restaurantes desta gente. Fumegam nas caçarolas manjares desconhecidos, que os cozinheiros, sórdidos e quase nús, vão adubando com temperos. Uns migam verduras, outros depenam aves, outros amassam bolos; e no amplo vestibulo expõem-se, n’uma prodigiosa promiscuidade, patos assados e cosidos, patos seccos, porcos, peixes, legumes, hortaliças, mariscos, rans, por vezes ratos, tresandando tudo a bodum. (...) Mas é a população feminina, bem mais do que os janotas, do que os cegos, do que os vendilhões de flores, que formiga na Rua da Felicidade. (...) Vestem cabaias vistosas, usam braceletes e anneis, manilhas de prata nos tornozelos como as escravas. Umas passeiam dando-se as mãos, rindo e conversando, arrastando ruidosamente as grossas alparcas suspensas dos pés nús. Outras penteiam-se, acarminam as faces, mirando-se em espelhinhos reles. Fumam em cachimbos de estanho. Tomam chá. Jogam, acocoradas, as cartas."
Em 1924, o escritor Vicente Blasco Ibáñez (1867-1928), em Vuelta al Mundo de um novelista, descrevia esta Rua da Felicidade como "semelhante às que existem em todos os portos de mar, mas aqui oferece o interesse de serem unicamente chineses os que a frequentam». E, acrescenta: «Compõe-se de casas estreitas, cujo piso baixo é ocupado inteiramente pela porta. Através da sua abertura vê-se uma espécie de vestíbulo com o renque da escada que conduz às habitações superiores, e alguns assentos chineses, ocupados pelas donas e suas amigas. São mulheres de cabeça volumosa, membros delgados e tronco grosso, um nariz tão achatado que apenas se torna visível quando mostram de perfil o seu largo rosto, amarelo com cera. Estas fêmeas maduras, retiradas das pelejas sexuais, fumam grossos cigarros enquanto conversam lentamente. Outras penteiam-se entre elas à luz de uma lâmpada colocada diante dos seus ídolos predilectos."
Em 1940, Jaime do Inso (1880 - 1967), em Cenas da Vida de Macau: "Rua da Felicidade – que fantasia, que irrisão! Fantasia que chega ao ponto de, quando da inauguração da Rua de Macau, na Exposição do Mundo Português, de 1940, a nossa imprensa ter anunciado, como coisa certa e indubitável, que aquela rua reproduzia um trecho da Rua da Felicidade, com os seus clubes (sic) de fan-tan, prédios de vários andares, pagodes, casas de chá e não sabemos que mais fantasias do bom repórter que, por certo, ficará muito admirado se um dia chegar a saber que naquela rua, de estilo tártaro, não há prédios de mais de um andar, clubes nem fan-tan, pagodes ou casas de chá, e que só há a felicidade da desventura de certas pi-pa-t’chai – chamemos-lhe assim – que, por um eufemismo, muito do gosto dos chinas, deram fama à rua, emprestando-lhe este nome tão querido dos chineses e cujo carácter ideográfico se vê espalhado por toda a parte – Fecilidade!"

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