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quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Estátuas nas traseiras das Ruínas de S. Paulo


Registos fotográfico da década de 1960 nas traseiras da fachada das ruínas de S. Paulo. Em primeiro plano a chamada "estátua de pedra caiada" do holandês e ao fundo o busto do poeta português João de Deus, actualmente localizada no interior do jardim do edifício do Senado (IACM). Foi inaugurada em 1896 por ocasião de morte de João de Deus em Janeiro desse ano. Existe uma outra estátua do poeta no exterior do Jardim de Infância D. José da Costa Nunes (desde 1942).
Segundo Monsenhor Manuel Teixeira já "a 8 de Março de 1895, as escolas portuguesas festejaram ao poeta numa grande apoteose, à qual se associou Macau”.


Num artigo intitulado "Macau visto pelo Conde de Arnoso" (Revista Cultura, nº 7 e 8 - Ano 2) o Padre Manuel Teixeira - que faz vários comentários ao texto do Conde - escreve assim a propósito desta estátua:
"(...) escreve Arnoso: "No adro e sobre uma pedra que lhe serve de pedestal uma tosca e disforme estátua de pedra d'um metro de altura representa, segundo refere a lenda, um valoroso capitão. Veste justilho, largo calção e bota até ao joelho. A irreverente brocha d'um pintor poz-lhe bigode e mosca! E como se tal não bastasse pintou-lhe garridamente o justilho de cor-de-rosa vivo, pondo-lhe nos canhões galões amarelos de coronel. Pobre heroe!"
Quanto a esta estátua, reza a tradição que se trata dum oficial holandês, moldada pelos holandeses que foram encarcerados na fortaleza da Guia após a sua derrota de 24 de Junho de 1622. A estátua sofreu maus tratos: um dia tiraram-na da Guia, foi parar às Ruínas de S. Paulo. Em 1966, desapareceu.
Alfredo de Almeida foi encontrá-la, decapitada, na sargeta duma via pública, para onde havia sido lançada pelos vândalos. Colocou-lhe a cabeça sobre os ombros, cimentou-a e levou-a para o seu caro Jardim da Flora. Dali passou para a esplanada do Museu Luís de Camões, onde hoje se encontra, acostada a uma parede, triste e envergonhada. 
Já desapareceram as cores do seu justilho e já não pousa em pedestal algum. Ali está no solo sem um letreiro, sem indicação alguma, com a ferida no pescoço, efeito da decapitação. Bem merecia que voltasse para a Guia, onde passou uns quatro séculos e donde nunca devia ter sido retirada. (...)"



terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

1929: 1ª central de telefones automáticos

No Boletim Oficial de 19.12.1928 foi publicado o Diploma Legislativo n.º 49 que autorizava o Governo da Colónia a contrair com a Caixa Económica Postal um empréstimo até à quantia de $125.000,00, destinado à aquisição de material e respectiva montagem de uma Central Telefónica Automática na cidade de Macau.
No Anuário do Império Colonial (1937) pode ler-se: “Talvez o mais lindo edifício no seu género em todo o território português, quer continental, quer insular ou ultramarino, e onde se encontra instalada a central dos telefones automáticos, primeiros a serem usados em território português.”
A Central de Comutação Telefónica (passo-a-passo modelo F1 da Siemens) foi instalada a 8 de Dezembro de 1929, tornando Macau o mais desenvolvido na área das comunicações face à metrópole e às demais colónias portuguesas. Em Lisboa só a 30 Agosto 1930 começaria a funcionar a primeira central de telefones automáticos. 
Refira-se que em 1887 foi introduzido o serviço da linha telefónica. O serviço telefónico tinha carácter permanente, utilizava telefones magnéticos e funcionava em nove estações: quartéis da 1.ª e 3.ª companhias da Guarda Policial; Palácio do Governo; Capitania do Porto; fortalezas do Monte, da Guia e do Bom Parto; Quartel do Batalhão do Ultramar; e Casa do Destacamento das Portas do Cerco. Com o desenvolvimento das comunicações telefónicas, em 1907 surge a lista telefónica, que apresentava, além das estações oficiais, 76 particulares, e instruções de uso dos telefones. Em 1910, continha não só telefones de Macau, como também da Taipa e de Coloane.

Em 1932 a central de telefones automáticos de Macau tinha capacidade para instalar 2 mil telefones. Na época o território tinha registados um total de cerca de 900 assinantes.
Eis apenas alguns a título de exemplo:

623: Ribeiro Júnior, Delfino - Rua do Campo, no. 3.
637: Rodrigues, Fernando -Travessa do Padre Narciso.
720: Rodrigues, Alina de Sousa Fernandes — Calçada do Bom Parto, no. 2
731: Rodrigues, Damião - Avenida Conselheiro Ferreira de Almeida, no. 93.
738: Silva, Dr. Henrique Nolasco - Avenida Almeida Ribeiro.
801: Macao Electric Company (Secção de Informações/Enquiries Department - Rua Central.
815: Hotel Riviera - Rua da Praia Grande.
816: Tai San Li - Travessa do Soriano.
835: Paradis des Dames - Rua da Praia Grande.
943: Menezes, Celeste - Avenida Conselheiro Ferreira de Almeida, 95-B.

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

Moeda comemorativa do Ano do Cão (1982)


Edição de 1982 do jornal World Coin News que destaca na capa a emissão "Macao Gold, Silver Year of Dog Coins".
Esta moeda comemorativa alusiva ao ano novo lunar chinês (de 1982) foi feita de acordo com o Decreto-Lei n.º 47/81/M de 19 de Dezembro. Com o valor facial de 100 patacas foram emitidas moedas em ouro e prata (5 mil unidades de cada).
Artigo 1.º É autorizada a emissão de moedas metálicas comemorativas do Ano Lunar Chinês de 1982 (Ano do Cão), com valores faciais de mil e de cem patacas, até à quantidade máxima de 5 000 moedas para cada valor facial.
Art. 2.º As moedas referidas no artigo anterior poderão ser cunhadas segundo os sistemas «proof» e «à flor de cunho».
Art. 3.º - 1. As moedas de mil patacas, emitidas com certificado de garantia do fabricante, serão de ouro de 22 quilates e obedecerão às seguintes especificações:
a) Toque de 916 por mil; b) Diâmetro de 28,4 milímetros; c) Peso de 15,976 gramas, com a tolerância de um por mil para mais ou para menos; d) Serrilha no bordo circular.
2. As moedas de cem patacas, emitidas com certificado de garantia do fabricante, serão de prata e obedecerão às seguintes especificações:
a) Ponto de 925 por mil; b) Diâmetro de 38,6 milímetros; c) Peso de 28,280 gramas, com a tolerância de um por mil para mais ou para menos; d) Serrilha no bordo circular.
Art. 4.º - 1. O anverso das moedas de mil e de cem patacas será constituído pelo desenho de um cão referente ao Ano Lunar Chinês de 1982, e terá indicação do valor facial e dos caracteres em chinês deste valor e de Macau.
2. O reverso das moedas de mil e de cem patacas será constituído pela indicação de valor facial, do ano da cunhagem e pelas insígnias da cidade de Macau.
Art. 5.º As moedas referidas neste diploma serão colocadas à disposição do público mediante subscrição por valores a fixar pelo Instituto Emissor de Macau.



domingo, 25 de fevereiro de 2018

Silva Mendes na Heritage Society

文第士(Manuel da Silva Mendes)(1867-1931) 是澳門當代葡人知識份子中最傑出代表人物之一,研究及推崇老子道家思想的第一個葡萄牙人;在哥英布拉大學完成法學學位,1901年受邀來澳擔任利宵中學教師,之後歷任校長、法官及檢察官,也是開業大律師,著名的中國文物收藏家。1905年其位於東望洋山腰的大宅落成,居此直至1931年去世。大宅曾空置一段時間;其後業權轉讓予瑪利亞方濟各傳教修會(Franciscanas Missionárias de Maria FMM ) ,作為修女宿舍、護士學校;之後由澳門政府收購,作為政府診所、衛生司藥物事務中心。1998年4月由澳門基金會斥資三千萬將它重建,改為聯合國大學國際軟件技術研究所,建築保留原立面,內部間格完全改動,擴建東西兩翼,增加實用空間,由原來的六百多平方米增加至二千三百多平方米。




sábado, 24 de fevereiro de 2018

O Noticiarista das Índias


"O Noticiarista das Índias - Duarte Barbosa" com o sub-título "pioneiro revelador dos costumes das Indias" é uma relação biográfica coordenada por Eduardo Reis e editada em Macau pela Imprensa Nacional em 1948.
Duarte Barbosa (Lisboa, c. 1480 - Cebu, 1 de maio de 1521) foi um viajante e navegador português. Serviu como oficial do Estado Português da Índia entre 1500 e 1516-17 no cargo de escrivão em Cananor e, por vezes, intérprete da língua local (malaiala).
A sua obra, "Livro de Duarte Barbosa" é um dos mais antigos exemplos de literatura de viagem portuguesa logo após a chegada ao oceano Índico. Em 1519 partiu na primeira viagem de circum-navegação com Fernão de Magalhães, de quem era cunhado, vindo a perecer em Maio de 1521 no banquete-cilada do rei Humabon, em Cebu, nas Filipinas. Manuel Severim de Faria, um erudito português que publicou, em 1626, 1627 e 1628, Relações... as primeiras notícias impressas sendo considerado "o primeiro noticiarista português".

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

"A Praia" (Grande) em "A China e os Chins" (1888)

(...) A Cidade do Nome de Deus não há outra mais Leal ocupa a parte sul da pequena península que termina a ilha de Hiang-Chang. Nove morros a dominam do lado do mar, erguendo-se em quatro deles outras tantas fortalezas armadas de antiga artilharia. O bairro onde se albergam os 4.000 europeus que vivem em Macau acha-se situado na parte leste da cidade e apresenta um alegre aspecto, com suas construções pintadas de vivas e variadas cores, seus seculares conventos e igrejas e seu belo passeio a beira-mar, que recordou-me a Promenade des Anglais de Nice ou a praia de Botafogo.
A “Praia” é o nome desse passeio onde, à tarde, saem a respirar a suave brisa do mar morenas europeias ou amarelas mestiças, trajando vistosas saias que procuram imitar as modas um pouco atrasadas de Paris. Carros antiquados, cadeirinhas e pedestres cruzam-se constantemente em uma e outra direção, parando de vez em quando para permitir alguns cumprimentos ou confidências de amor, arte a que se dedicam assiduamente os mancebos de Macau, por não encontrarem, talvez, outra ocupação. Não se pode, porém, negar que empreguem grande engenho para ostentar uma toilette sempre cuidada. Nada mais interessante do que esses moços de fisionomia chinesa e cabelo naturalmente lustroso, trajando elegantes fraques, com os pequenos e bem formados pés apertados em brilhantes botinas e o pescoço encerrado em altos e duros colarinhos rodeados de coloridas gravatas.
É Macau a única cidade da China em que se mantém a pretensão dos trajes europeus, ainda que adulterados pelo gosto e a distância e pela especulação do comércio, que encontra aí cômodo mercado para os artigos passados de moda. Em outras partes, os residentes estrangeiros adaptam o seu traje à comodidade de movimentos ou às condições do clima; Macau, porém, conserva aquela originalidade, que não deixou de produzir-me grata impressão, ainda que certa estranheza, depois que os meus olhos se tinham habituado, na minha longa viagem desde o istmo de Suez, a só ver como exceção a comprida sobrecasaca e o chapéu de copa. (...)
Henrique Carlos Ribeiro Lisboa in "A China e os Chins - Recordações de viagem", 1888.
Henrique C. R. Lisboa (1849-1920) era diplomata e foi secretário da missão especial que o Império do Brasil enviou à China em 1880. Dessa viagem fez um registo detalhado que deixou em livro de cerca de 400 páginas ilustradas com um mapa e 44 gravuras.
Neste post transcrevi um excerto relativo à baía da Praia Grande ilustrado com uma imagem da época (não é do livro) em que o autor visitou Macau.
Na imagem acima, entre outros aspectos, destaque para: Sé Catedral, Palácio das Repartições (1874), Macao Hotel (1880), Jardim S. Francisco, Grémio Militar (1870)Ermida da Guia (e farol em construção - 1865), Hospital S. Januário (1874), Quartel S. Francisco (1866) e a bataria rasante 1º de Dezembro (1872).

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

A Festa da Primavera

A Festa da Primavera começa na véspera do Ano Novo com as pessoas a fazerem limpezas gerais, a arrumar a casa, cortar o cabelo, pagar as contas, colocar oferendas aos deuses que cuidam do lar e da família, a preparar as roupas que irão usar nesse primeiro dia... e dando cor ao que os envolve.
Assim aparece a cor vermelha, por ser yang e vibrante, a cor predominante durante as comemorações do Ano Novo, com as mulheres da família a usarem um vestido novo nesta cor para assegurar a sorte e um bom ano, com o amarelo e o roxo também a aparecerem, pois são igualmente sinónimo de sorte. 
Mas o vermelho também está presente durante a comemoração nas tradicionais lanternas chinesas, acesas e penduradas diante da porta principal, que só serão retiradas após 15 dias do novo ano, e nos fogos-de-artifício que estouram para espantar os maus espíritos.
 Assim como, no primeiro dia do ano, nos envelopes contendo dinheiro que as crianças e os solteiros da casa recebem, distribuído pela matriarca da casa, com propósitos auspiciosos.
E é neste espírito que envolve a Festa da Primavera que se chega ao último jantar do ano, com a família reunida para a refeição que encerra um ano lunar e dá início a outro.
São feitos pratos especiais para trazer todo o tipo de sorte e felicidade, não podendo faltar os bolinhos em forma de lingotes de ouro, o peixe que representa o dinheiro, as tangerinas, também chamadas de laranjas da sorte, o prato feito com arroz moti, representando a prosperidade, e o talharim, uma espécie de macarrão, que representa vida longa, com todas as frutas e doces a serem servidos em bandejas ou embalagens vermelhas.
 Uma refeição que é feita numa mesa circular para favorecer o relacionamento e a união dos membros da família, durante a qual as pessoas procuram perdoar as ofensas, esquecer as diferenças e evitar os maus pensamentos, onde a preocupação principal é comemorar a Festa da Primavera com muita alegria e fartura para trazer muita sorte e felicidade.
Um outro costume é colocar desejos escritos com tinta preta em tiras de papel vermelho na porta de entrada. O preto que representa a água e a sabedoria, e o vermelho o fogo e o sucesso, devendo os desejos serem escritos por criativos calígrafos, de forma poética e metafórica para poder trazer sorte e realização.

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Foto-Legenda: viagem ao Porto Interior na década 1950

A propósito do post anterior - em que visitámos Macau na década de 1950 em época de comemorações do ano novo lunar - proponho agora uma viagem ao Porto Interior na mesma altura, quando era principal 'porta' de entrada no território por via marítima. A chamada rada do Porto Interior começava na denominada ponte-cais nº1.
O fluxo de pessoas e bens via Porta do Cerco era nesses anos diminuto e o cais do Porto Exterior só seria uma realidade no início da década de 1960. Era também no Porto Exterior que aterravam os aviões anfíbios que asseguravam a ligação aérea com Hong Kong, e daí para o resto do mundo.
Uma descrição do que era Macau na década de 1950 por ser lida aqui num testemunho de Levy Gomes.
Para ver as imagens em tamanho maior e conseguir uma melhor leitura das mesmas e das legendas basta clicar nas respectivas fotografias.


terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

"O clu-clu no áno novo china"

Pa tudo nôsso amigo china-china, festa di ilôtro-sua Áno-Novo (Sân Nin) sã festa más grándi qui têm. Perto-perto chegá nin sám-sáp mán, , ilôtro Iôgo quelê ocupado, virá-vai, virá-vêm, ramendá barata doda ta corê, ánsia prepará tudo ancuza pa intrá áno. Quim ta devê sapeca pa gente, têm-qui azinha fazê paga; matá-morê tamêm têm-qui pagá. Si nunca, gente Iôgo batê porta, sarneá, pedí pagá cónta. Qui fichá na quarto, qui encafuá na cuzinha, pulá di janela sai vai rua, tamêm nádi iscapá. China Iôgo corê trás persiguí pagá cónta.
China-china costumado na roda di áno misquinhá, popá tudo qui pôde, pa chegá áno-novo ficá mám largo, isgui-chá sapeca pa comprá ancuza qui precisá co laia-laia istravagáncia. Gente qui têm tánto sapeca Iô comprá rópa co sapato novo pa onçôm usá; Iô comprá tamêm pa tudo su catravada. Quim têm pôço, sã têm-qui contentá co unga par di sapato novo, chinela co tuália di lavá rosto, tamêm novo. Ancuza qui nom-pôde faltá sã papê-vemêlo dorado pa chapá na porta-rua, papê-vemêlo pa chuchú sapeca fazê lai si, paochông co abolô inchido di laia-laia comezáina pa fazê bóca sabroso. Lôgo têm dóci t'óng lin chi, t'óng ling ngao, t'óng ma t'á i, t'óng keong, t'óng ié si, t'óng câm cát, t'óng tông kuá, co unga porçám di rabusénga fazido derdezido pa acunga quánto dia. Ch'in-tôi, tai-lóng-kou co t'óng ván tamêm lôgo têm.
Faltá dôs-trêz diz pa chegá áno-novo, tudo casa-casa, na vánda di dentro, Iôgo fica limpo-assiado. Siara-siara cavá lavá, espaná casa, sã Iôgo corê bazar comprá laia-laia fula fresco co quánto pê di tai cat-chai semeado na vaso, pa cartá vai casa orná lugar. Hóme-hóme Iôgo ocupado fichá cónta di botica, cavá ta corê vai buscá pê pa jugá p'ai-kao, t'in-kao, ma-cheoc.
Na nin sám mán, perto chegá ónzi-ora, tudo cabéça di família Iôgo têm na casa co ilôtro-sua catravada pa abrí áno. Cavá quimá paochông qui insurdecê pau, insurdecê pedra, ilôtro Iôgo sandê pivête, unga-unga na casa seguí trás di pai-mai, chacha co avô-công, ajoeliá na chám batê cabéça. Na diánti di san-t'ói, Iôgo pedí tudo qui sã di más bom; Iôgo sacudí mufinaze vai Ióngi, chomá bom-sórti vêm bafezá gente di casa, trazê filicidade, saúde, vida cumprido. Cavá, pai co mai, chacha, vovô lôgo dá lai si pa tudo filo-filo, nêto-nêto, ôtro quiança-quiança co a-sám, a-mui di casa.
Na dia qui áno-nôvo começá, na casa tudo têm-qui comê chái, ninguim pôde rufá carniça. Sã dia qui sômente gente di família têm na casa pa comê. Chega dôs di lua, tudo laia di bom-bom petisquéra lôgo vêm mésa, co galinha, áde, pato-grándi, leitám assado, pa casa intéro co visita comê qui ravirá. Áno-novo começá, tudo gente têm-qui isquecê consumiçám, tirá ancuza triste di cabéça; nom-pôde boquizá ancuza mufino, nom-pôde pegá vassóra varê chám. N'acunga quánto dia di festa, tudo têm-qui mostrá bom génio, nom-pôde reva; sã sómente divertí, pandegá pa alegrá vida.
Nôs quelora quiança - têm cincoénta-fóra áno passado - nom-pôde más di contente olá chegá Áno-Novo-China. Pa nôs tudo qui vivo na Macau, costumado co festa di china-china, tirá nôsso sánto Natal, festa qui nôs más gostá sã Áno-Novo-China. Qui-fôi? Sá quánto dia a-fio di pândega, arvirice co um-chinho sapeca na bólsa. Têm ancuza pa comê-bebê qui istonteá, têm lai si pa recebê. Tudo escola-escola fichado, nancassá vai escola; nunca sã dia sánto, nancassá vai missa. Cavá iscurecê, pôde intrá casa um-chinho tárdi, pramicedo pôde lagatiá na cáma más tánto ora qui mamá nádi rabujá, chacha nádi gurunhá. Sá divera, qui sabroso!
Qualunga más sim-vegónha qui ôtro, nôs tudo quiança-quiança lôgo corê rua buscá gente conhicido. Olá ilôtro, nôs lôgo azinha-azinha chapá mám, falá kông-hei, fat-ch'ói, co ánsia di achá lai si qui china-china nunca misco dá. Cási nom-têm sôk-sôk, t'ai-t'ai co pó-pó qui nádi dá. Si algunga di ilôtro finzí alônço, nom-quêro sai mám tirá /a/s/vêm fora, nôs, endiaborado, lôgo boquizá ancuza qui ilôtro ui-di reva uví; cavá boquizá, sã botá fuzí. Cadunga lai si Iôgo têm sômente unga dez-avo ó vinte-avo; tamêm sã pa nôs ficá contente. Únde têm agora assi bom. lai si grándi-grándi co dez, vinte, um-cento pataca? Unga dia, unga china-rico amigo di iou-sua máno, já virá mám dá lai si pa iou, co nota di unga pataca capido na dentro. Iou pulá di contente, faltá um-chinho fazê êle cai di caréta pa chám. Bólsa cavá inchido di lai si, nôs sã lôgo capí sapeca vêm fora, pinchá papê-vemêlo vazío na chám, cavá vai ténda na esquina di rua comprá um-cento guloséma comê. Co vinte-avo na-más, já pôde comprá unga porçám di dóci. Dentro di ténda, intrementes unga ta conversá co china, otrunga lôgo sai mám ligéro tasquinhá kuá chi di saco, fazê bólsa ficá quelê pesado.
Otróra - áno trinta, trinta-fóra - na cinco dia di festa di Áno-Novo-China, na difrente bocarám di rua, qui na perto di parede, qui na riva di valéta, sã lôgo olá mésa di "clu clu" qui fazê cidádi divera animado. Têm bánca qui sã di cúli di pussá caréta, têm bánca qui sã di quiado-quiado di culau, china di cartá pinga vendê van-tan-min, co fó-kei di loja-loja. llôtro costumado juntá ráncho, mará vaca pa abrí unga porçám di bánca di "clu clu" na rua. Pagá trêz-quatro pataca na-más, já pôde achá unga licênça pa abrí unga bánca.
"Clu clu" antigo sã ramendá "cus-sec" di agora; nom-têm "grándi" co "piquinino", nom-têm trêz dado di mesmo laia; maz têm tudo ôtro parabiça. Cadunga mésa sã fêto co unga tábu grándi, largura di dôs braço abrido, co tudo ancuza bem-fêto pa jugá. Tábu pintado laia-laia cor, sã lôgo ficá na riva di dôs bánco fino-cumprido ó na riva di quatro pê marado co fio-saco, qui pôde abrí-fichá. Na cabéça di mésa, china di "clu clu" lôgo empê, costa virado pa parede, ôlo vivo tentá mésa. Unga quinhám di su sapeca-capital lôgo têm na riva di mésa, pa tudo gente olá; otrunga quinhám lôgo guardado na su bólsa. Si êle azarénto perdê tudo qui têm na fora, azinha lôgo gavartá bólsa tirá más sapeca; têm ora, êle lôgo falá: "Olá, sã assi tánto-ia". Cavá, sã ta cartá su catá-cutí, levantá fero vai buscá bocarám qui têm más sórti.
Cadunga bánca têm unga pire co trêz dado, co unga chaminica grándi di lóiça pa cubrí dado. Chegá anôte, cadunga bánca têm dôs candia di petrólio na dôs cánto di tábu pa lumiá mésa; sisã loja, lôgo têm lámpada ilétrico. Cavá cubrí dado co chaminica, banquéro lôgo erguí mám alto-alto chocalhá dado, fazê som "clu, clu, clu", chomá gente jugá. Nómi "clu clu" sã já vêm di som di dado chocalhado na chaminica. Na tudo bánca sã lôgo olá chonto di gente intretido jugá. Quelora olá nôsso gente vêm perto, china di bánca Iô começá su ladinha: "loga ioga! Nho-nhónha, nhu-nhum, ioga, ioga! Têm muto gánha, nom-têm perde! Ioga, ioga!" Tudo cavá botá sapeca na mésa pa jugá, china lôgo falá: "Ábli!" Ramatá falá "ábli", êle ta erguí chaminica pa damostrá qui laia dado sai. Si sai áz, dúqui, terna, sã ta uví êle falá na su portoguêz torto-ravirado: "Ássi, lúqui, tiléno; sêsse punto!" Cavá istendê braço pa azinha-azinha raspá tudo sapeca qui nunca comprá dado que já sai, êle lôgo vagar-vagar pagá gente qui já ganhá. Tudo pagado, êle torná vêm co lenga-lenga "ioga, ioga".
Nôs, quiança-quiança, calado-calado, chipido na unga cánto, tamêm contente jugá quánto cén. Unga pataca nota, têm unga pataca co quarénta avo prata; dez avo prata têm vinte cén. Sã assi qui nôs, co dôs pataca na-más, pôde ficá intretido oras-i-ora jugá. Quelora bánca começá ficá inchido di gente-grándi, china nádi fazê cerimónia, lôgo azinha zavaná co nôs, quiança-quiança. Iou têm dôs amigo - unga máno co unga irmám - divera arviro. Unga anôte, quelora china di bánca ta sacudí nôs vai, pa dá lugar pa gente-grándi, nôs tudo azinha ficá preparado ta sai. Maz, na ora di vai, acunga dôs malándro subí génio, cadacê pegá na unga candia di petrólio cartá fuzi, dessá mésa ficá iscuro como tinta. Qui zaragata qui já aranjá! China di "clu clu" sabe ilôtro sã quim, dia siguinte pramicedo já vai batê porta di su casa, quessá co su pai-mai. Acunga dôs diabo cavá panhá treméndo sova, já ficá castigo na casa pa quánto dia.
Tánto gente di Macau quelê gostá jugá "clu clu". Têm quánto nhu-nhum co nho-nhónha sã divera capaz jugá. llôtro ingulí comê, azinha ta corê rua buscá "clu clu" jugá, ariscá sórti, isquecê pai, isquecê mai. Nho-nhónha más contente comprá trêz "sete" - sete-cavéra (dúqui co quina), sete-pique (áz co séna), sete-gordo (terna co quadra). Nhu-nhum más gostá comprá ponto-ponto (vai di 3 atê 18).
Gente qui jugá "clu clu" más tánto vez sã vai di volta casa raspiáti; pôco vez vai casa co sapeca na bólsa. Na estunga ancuza, iou sintí, "clu clu" sã igual "cussec" di agora. China-china qui abrí bánca têm ora fichá jogatina co bom respondéncia. Pôde ganhá quatro-cinco mil pataca. Olá qui bom; otrora sã quelê tánto sapeca; ilôtro pôde botá caréta co panelám di van-tan-min na unga cánto, pa tánto dia. Maz tamêm, têm ora, disgraçado di banquéro si ta vantú, masquí ôlo vivo, masquí capital fórti, pôde olá su bánca dislizá na águ vai a-pique.
Têm unga dia quatro sodado co rópa militar, cavá isvaziá quánto garafa di ceveza, já juntá ráncho vai unga bánca di Tap Siac jugá fórti-fórti. Nom sabe quelê-môdo ilôtro assi sórti, qui tudo mám ganhá. Únde botá sapeca, sã dado lôgo fazê ilôtro ganhá. A-Pio banquéro, co su quánto sócio, sôr grôsso-grôsso na testa, nom-têm fim di trucá dado, quimá pivête co papê di pagode; assi, tamêm acunga quatro sodado têm pa ganhá. Chegá ora, A-Pio nom-têm más sapeca pa pagá. Coitado! Entregá tábu, bánco, chaminica co tudo catá-cutí pa sodado-sodado. Estunga quánto demónio, di jugador virá ficá banquéro. Qui sabroso! Contente qui contente, boné virado pa lado, mánga aregaçado, ilôtro chocalhá dado co tudo fórça pa sai acunga som "clu, clu, clu", chomá tudo gente qui ta passá vêm jugá. Quelora têm na grándi animaçám, erguí cabéça, dá di cara-a-cara co sargénto di rónda. Santo pai! Priméro ancuza, sã panhá discompostura; cavá, sã uví sargénto dá voz "dréta-volvê, odinário-macha", já vai tudo quatro banquéro "sortista" di Infanteria co tábu, co bánco-bánco na riva di ombro, marchá trás di sargénto di ronda vai quartel.
Sã más ó menos assi Áno-Novo-China co "clu clu" na tempo antigo, na estunga cidádi sossegado qui chomá Macau.
Texto de José dos Santos Ferreira (Adé) - em patuá em 1988.
De seguida o mesmo texto em português.
Ilustração de Victor Marreiros. 1988
Para os nossos amigos chineses, a festa do seu Ano Novo (Sân Nin) é, de todas, a mais importante. Pouco antes da nin sám-sáp mán (noite do último dia do ano lunar), é vê-los em grande azáfama, girando dum lado para outro como baratas doidas, empenhados nos preparativos para celebrar a entrada do novo ano. Quem tem dívidas por saldar não pode deixar de as liquidar a tempo, nem que isso represente pesados sacrifícios. Se o não fizer, pode estar certo de que os credores lhe irão bater à porta e importuná-lo a toda a hora, a pedir a liquidação da dívida. É escusado fechar-se no quarto ou esconder-se na cozinha, é inútil fugir de casa saltando da janela para a rua. Não escapará, pois os credores irão no seu encalço, insistindo que pague a conta.
Os chineses costumam gastar com parcimónia durante o ano, economizando quanto podem, para virem a gastar com prodigalidade à chegada do novo ano em coisas necessárias, assim como em certas extravagâncias. Os abastados compram roupas e calçados novos para seu uso e para o de todos os seus; os que têm pouco contentam-se com um par de sapatos e outro de chinelos novos e uma toalha nova para lavar a cara. Entre outras coisas indispensáveis figuram os papéis encarnados rectangulares com pintas douradas, para aparecerem colados nas portas principais da casa, os sobrescritos encarnados para neles se introduzir o dinheiro de Iai-si, panchões e recipientes de madeira e laca cheinhos de variadas guloseimas para fazer as delícias da boca. Não podem faltar os tradicionais doces t'ónglin chi (sementes de Ioto), t'óng ling ngao (rodelas de raízes de loto), t'óng ma t'ai (coquinhos descascados), t'óng keong (talhadas de gengibre), t'óng ié si (tiras de coco), t'óng cam-cat (laranjinhas), t'óng tông kuá (pedaços de abóbora), etc., e uma porção de pitéus propositadamente confeccionados para aqueles dias, como sejam ch'in tôi (fritura doce), tai Iong kou (pudim seco preparado com a farinha de arroz glutinoso) e t'óng ván (farinha frita, doce).
Uns dois ou três dias antes da chegada do novo ano lunar já os interiores das casas estarão limpinhos. As donas das casas, terminados os trabalhos de limpeza, vão aos mercados comprar variadas flores frescas e uns vasos com tangerineiras para ornamentar as salas. Os homens de negócio, por sua vez, preocupam-se com o fecho das contas, ao mesmo tempo que vão procurando parceiros para partidas de p'ai kao, t'in kao, ma-cheoc.
Na noite nin sám mán, por volta das onze horas, os chefes de famílias costumam estar em casa com a sua prole, para a chamada abertura do ano. Depois da queima de panchões, que chega para ensurdecer pau e pedra, os da casa começam a acender pivetes e, uns atrás de outros, a seguir aos pais, avozinha e vovô, ajoelham no chão para "bater a cabeça". Diante do san t'ói (altar da sala), hão-de pedir tudo o que há do melhor, incluindo o afastamento dos maus ares e a vinda da boa sorte para toda a família, com muita felicidade, saúde e longa vida. Em seguida, os pais, a avozinha, o vovô oferecem Iai-sis a todos os filhos, netos e demais crianças, bem como aos criados.
No 1° dia do novo ano lunar, em casa todos comem chái (comida de vegetarianos); ninguém come carne. É dia em que estão reunidos em casa apenas os membros da família. Só no 2° dia de Lua é que vem para a mesa toda a sorte de boas iguarias, incluindo galinha, pato, ganso, leitão assado, para a casa inteira e os amigos comerem até empanturrar. Iniciado o novo ano, toda a gente relega para o esquecimento as arrelias e afasta da memória pensamentos tristes; ninguém deve proferir palavras de mau agoiro; não se pode pegar na vassoura para varrer o chão. Nesses poucos dias de festa, ninguém pode ter mau génio, há que se divertir e pandegar para alegrar a vida.
Quando éramos petizes - já lá vão mais de 50 anos - ficávamos contentes a não poder mais com a chegada do Ano Novo Chinês. Para nós que vivemos em Macau, habituados às festas tradicionais chinesas, tirando o nosso Santo Natal, a festa de que mais gostávamos era a do Ano Novo Chinês. Porquê? Eram dias seguidos de paródia, traquinices e algum dinheirinho no bolso. Comes e bebes à farta não faltavam e havia lai-sis para receber.. Não precisávamos de ir à escola, porque as escolas estavam fechadas; não sendo dias santificados, à Missa não tínhamos de ir. Ao anoitecer, podíamos recolher a casa um pouco tarde e pela manhã podíamos estar mais tempo na cama; a mamã não raIhava e a avozinha não resmungava. Era, realmente, uma delícia.
Uns mais descarados que outros, nós, os petizes, saíamos para a rua ao encontro de pessoas conhecidas. Ao vê-las, juntávamos as mãos e dizíamos o sacramental kong-hei, fát-ch'ói, desejosos de receber os lai-sis que os chineses distribuíam com prodigalidade. Quase que não havia "tio", mulher casada, velhote ou velhota que os não davam. Se alguém se fizesse de esquecido, esquivando-se de dar, nós, deveras endiabrados, dizíamos coisinhas que os chineses detestam ouvir, desatando depois a fugir. Cada lai-si não continha mais que dez ou vinte avos; era o suficiente para nos alegrar. Nunca era tão bom como agora, verem-se lai-sis rechonchudos de dez, vinte ou mesmo cem patacas. Um dia, certo chinês ricaço, amigo do meu irmão mais velho, deu-me um lai-si contendo uma nota de uma pataca. Pulei de contente, pouco faltando para o fazer tombar do riquexó para o chão. Com as algibeiras recheadas de lai-sis, não perdíamos tempo em retirar deles o dinheiro e deitar para o chão os envelopes encarnados vazios, indo em seguida à primeira tenda da esquina da rua comprar uma porção de guloseimas. Com 20 avos apenas já se podia comprar doces que nunca mais acabavam. Dentro da tenda, enquanto uns conversavam com o homem, outros estendiam rapidamente o braço e surripiavam das sacas expostas mãos-cheias de pevides que pesavam nos bolsos.
Noutros tempos, na década dos 30, durante os cinco dias festivos do Ano Novo Chinês, havia nas diversas esquinas das ruas, quer encostadas à parede, quer sobre os passeios, bancas de "clu-clu" que davam à cidade um aspecto deveras divertido. Havia bancas montadas por cules de riquexó, assim como outras exploradas por criados de restaurantes, vendilhões ambulantes de sopa de fita ou mesmo empregados de estabelecimentos comerciais. Era costume, dentro das respectivas profissões, associarem-se e "fazer vaca", arranjando, assim, capital para a exploração de não poucas bancas nas vias públicas. Cada licença de banca não custava mais que três ou quatro patacas.
O "clu-clu" antigo era semelhante ao "cussec" de agora; não havia as modalidades de "grande" e "pequeno", nem a combinação de três dados iguais, mas havia as restantes modalidades. Cada banca compunha-se de um tabuleiro grande, com a largura de dois braços abertos, e material apropriado. O tabuleiro, pintado a cores, era colocado sobre dois bancos estreitos ou sobre suporte de madeira, flexível, atado com corda fininha. O banqueiro colocava-se em pé à cabeceira da banca, de costas viradas para a parede e com os olhos bem atentos sobre o tabuleiro. O dinheiro do capital encontrava-se, parte em cima da mesa, à vista dos jogadores, e parte guardado nos bolsos. Quando, desfavorecido pela sorte, perdia tudo quanto tinha fora, o homenzinho ou refazia o capital tirando mais dinheiro dos bolsos, ou anunciava: "Pronto! Foi-se tudo; acabou!" Em seguida, levantava ferro com a tralha às costas, indo procurar outro sítio menos azarento.
Toda a banca tinha um pires com três dados e uma tijela de porcelana que servia para cobrir os dados. De noite, a banca era iluminada por um par de candeeiros de petróleo, colocados um em cada lado do tabuleiro, ou por lâmpada eléctrica, tratando-se de lojas. Cobertos os dados com a tijela, o banqueiro pegava nesta e no pires para agitar os dados, fazendo produzir o som "clu, clu, clu", ao mesmo tempo que convidava as pessoas a jogar. Deste som produzido pelos dados derivou a designação de "clu-clu" dada ao jogo. Em todas as bancas havia sempre grupinhos entretidos a jogar. Quando se acercavam não-chineses, era esta a cantilena que se ouvia: "loga, ioga! Siôlas, siôles! Ioga, ioga! Tem muito ganha! Nom tem perde! Ioga, ioga!"
Depois de os jogadores terem colocado na banca o dinheiro das apostas, o homem dizia "Ábli!" Dito isto, erguia a tijela para revelar o resultado da jogada. Se calhava o resultado ser "ás, duque, terno", o banqueiro anunciava no seu português arrevesado: "Ássi, lúqui, tiléno, sêsse punto! "Depois de estendidos os braços com ligeireza para recolher o dinheiro das apostas perdidas, ele começava, pachorrentamente, a pagar as ganhas. Tudo pago, lá recomeçava a cantilena de "ioga, ioga".
Nós, os miúdos, quietinhos num canto da banca, também arriscávamos uns cobres. Uma pataca em nota de Banco correspondia a uma pataca e quarenta avos em moedas de prata; cada moeda de dez avos trocava-se por vinte cobres. Era assim que nós, com apenas duas patacas, podíamos estar horas a fio entretidos a jogar. Porém, à medida que o número de adultos ia engrossando, o banqueiro, sem cerimónia nem perda de tempo, corria connosco. Uma noite, ao sermos corridos, dois companheiros meus mais travessos - eram dois irmãos - cumpriram a ordem, mas, à saída, levaram consigo os dois candeeiros de petróleo, deixando a banca na mais completa escuridão. Provocou-se uma algazarra medonha. O homem do "clu-clu", tendo reconhecido os dois manos, foi na manhã seguinte bater à porta para fazer queixa a seus pais. Os dois diabos apanharam tremenda sova e ficaram em casa de castigo por alguns dias.
Imensa gente de Macau gostava muito do "clu-clu". Havia bastantes homens e senhoras que jogavam mesmo com mestria. Mal acabavam de jantar, lá estavam eles e elas à beira das bancas para arriscarem a sorte, esquecidos de tudo e de todos. As combinações de dados preferidas pelas senhoras eram os três "setes" - sete-caveira (duque equina), sete-pique (ás e sena) sete-gordo (terno e quadra). Os homens gostavam mais de apostar nos pontos (de 3 a 18). No jogo de "clu-clu", o zé-povinho voltava mais vezes "teso" para casa do que com dinheiro no bolso. Quer-me parecer que, neste pormenor, o "clu-clu" em nada difere do "cussec" de agora. Os homens das bancas, a mor parte das vezes, fechavam o negócio com lucro. Este chegava, por vezes, a atingir quatro ou cinco mil patacas, o que, naqueles tempos, era muito dinheiro e dava-lhes para deixarem os seus riquexós ou as panelas de sopa de fita arrumados num canto por algum tempo. Mas também, às vezes, acontecia o inverso, pois não era difícil ver-se uma banca cair em bancarrota, não obstante toda a esperteza dos seus exploradores e a solidez dos respectivos capitais.
Certo dia, quatro soldados fardados, já com umas cervejas a mais no bucho, juntaram-se para jogar numa banca no bairro de Tap Siac, apostando forte. Não se sabe donde lhes vinha a sorte, mas o certo é que ganhavam todas as jogadas. Onde apostavam, onde acertavam. O A-Pio da banca e os seus sócios, suando por todos os poros, trocavam, de volta e meia, os dados, queimavam pivetes e papéis trazidos do pagode, suspirando por uma reviravolta da sorte. Apesar de tudo isso, os soldados continuavam a ganhar. Chegado o momento de não ter mais dinheiro com que pagasse as apostas ganhas, o A-Pio, coitado, lá teve de entregar o tabuleiro, os bancos, mais a tijela e o resto da tralha aos soldados. Estes, de jogadores passaram, então, a banqueiros. Que gozo! Assim, encantados de vida, boné para um lado, mangas arregaçadas, começaram a agitar os dados, fazendo "clu, clu, clu" com estrondosa barulheira e convidando os transeuntes a jogar. E iam já no auge da animação quando, erguendo a cabeça, deram com os olhos na presença do sargento de ronda. Primeiro, a descompostura e, em seguida, à voz de comando "direita-volver, ordinário-marche!", lá foram os quatro "felizardos" banqueiros da Infantaria com o tabuleiro e os bancos ao ombro, atrás do sargento de ronda a caminho do quartel.
Eram assim, pouco mais ou menos, o Ano Novo Chinês e o "clu-clu" daqueles tempos, nesta pacata cidade de Macau.

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

Procissão do Senhor dos Passos: 1910 e agora

Aspecto da Procissão do Senhor dos Passos em 1910 frente à Sé Catedral
 Em baixo uma imagem sensivelmente da mesmo perspectiva mas um século depois.

A Procissão do Nosso Senhor Bom Jesus dos Passos - faz parte da lista de património cultural intangível de Macau - tem lugar anualmente no primeiro sábado - a deste ano foi este fim de semana - e domingo da Quaresma e é parte da “Novena católica e da Festa em Honra do Senhor Bom Jesus dos Passos”.
A procissão conta com a participação do Bispo da Diocese de Macau, dos membros do clero e de um grande número de fiéis locais e estrangeiros, e é acompanhada pela Banda de Música das Forças de Segurança tocando a marcha fúnebre. Segue o caminho da “via dolorosa”, que representa o percurso de Jesus Cristo do Pretório ao Calvário referido na Bíblia. Actualmente, a procissão decorre ao longo de dois dias. Tem início na Igreja de Santo Agostinho e dirige-se à Igreja da Sé, fazendo o percurso inverso no segundo dia. Em designadas estações da “via sacra”, no percurso de regresso, uma mulher interpreta o papel de Verónica entoando um cântico triste enquanto um padre e os numerosos fiéis respondem com preces e cânticos, criando uma atmosfera de pesar. 
A procissão do Nosso Senhor Bom Jesus dos Passos tem uma longa história em Macau. Remonta a 1708 (embora hajam referências a 1586), sendo um evento religioso característico e representativo da cidade. Uma nota da época assim o atesta relativa a 25 de Março de 1708: "Neste dia se fes a Procissão do Sr. Crus as Costas pelas Ordinarios por ordem do Sr. Bispo, visto estarem os Padres de St.º Agostinho impedidos no seu convento por cauza de controvercias que tem havido a respeito do Patriarcha – Os Irmãos que acompanhavão o Sr. ião com Capa branca e murça rôxa. A Procissão foi athé S.m Domingos onde ficou ali."


domingo, 18 de fevereiro de 2018

Os Dicionários Luso-Sínicos: relance histórico-bibliográfico

O aparecimento dos primeiros léxicos sino-europeus está naturalmente ligado à acção dos missionários da Companhia de Jesus, na China, a partir de finais do séc. XVI. Na época, em virtude da preponderante presença portuguesa nesta área do Mundo, através do Padroado do Oriente que assistia à Coroa de Portugal, não admira que os primeiros daqueles dicionários utilizassem a Língua portuguesa, ao tempo, juntamente com o Latim, a língua ocidental mais comum; o Português era, então, a "língua franca "no Oriente.
Os missionários jesuítas depressa adoptaram a genial estratégia de penetração no Império do Meio traçada por Matteo Ricci: conquistar, seduzindo pelo intelecto e pelo espírito, a boa vontade das elites, do mandarinato. Para tanto, os missionários aprendiam a língua e a cultura chinesas, os clássicos, os filósofos, conseguindo assim o diálogo de igual para igual com o escol chinês; a sedução operava de seguida, desvanecidos os intelectuais perante estes homens vindos de tão longe e que não procuravam benesses materiais, seus pares na cultura e no espírito. Abria--se o caminho aos Inacianos para insinuar os princípios da ciência e do pensamento europeus, e finalmente, mas como objectivo principal, os do seu ideário ético-religioso.
Tendo em conta a dominante relação triangular, nos finais do séc. XVI, entre Portugal, a Companhia de Jesus e a China, os primeiros esforços lexicológicos surgem naturalmente, como já se disse, com a língua portuguesa. Infelizmente, estes primeiros dicionários permanecem até hoje manuscritos, e assim inéditos.
O P.e Pasquale d'Elia, S. J., no segundo volume das Fonti Ricciane, reproduz fotograficamente uma página do na do Dicionário Português-Chinês, o primeiro entre esta língua e uma língua europeia. É da autoria dos P.es Ricci e Ruggieri, e elaborado, avança d'Elia, provavelmente entre os anos de 1584 e 1588. Escreve o P.e d'Elia: "Questo cimelio della sinologia, che rappresenta il primo dizio-nario europeo-cinese del mondo e a cui possiamo dare il titolo di Dizionario portoguese-cinese, esiste ancora manoscrito in ARSI, Jap. Sin., I, 198, dove e stato da me ritrovato e identificato nel 1934. Esso consta di ff. 189 in carta cinese di cm. 23x16,5. "É bem clara a afirmação deste erudito orientalista italiano: o primeiro dicionário sino--europeu do mundo é um dicionário Português -Chinês. D'Elia descreve o manuscrito, que vai da palavra abitara zunir, em três colunas: a primeira com os vocábulos portugueses, a segunda com a romanização italiana, a terceira com os caracteres das palavras em Chinês. Como nem sempre há o equivalente chinês do vocábulo português, o dicionário não está infelizmente completo.
Só mais de meio século depois, aí por 1640, é que surge novo dicionário luso-sínico, desta vez da autoria de um Jesuíta português. Trata-se do P. ê Álvaro Semedo (1586-1658), bem conhecido pela sua Relação da Grande Monarquia da China, autor de dois léxicos manuscritos, português--chinês e chinês-português. Referem-se-lhe Barbosa Machado, Pfister, Henri Bernard, Couling, e provavelmente outros. O Padre Manuel Teixeira escreve (Cfr. Religião e Pátria, 1960, p.614): "Em 15-11-1870 existia na Biblioteca do Seminário de S. José, de Macau, pertencente ao Seminário de Pequim, fundado em 1601, um velho dicionário feito por um dos primeiros missionários jesuítas na China (possivelmente o P. ê Semedo). Trouxe-o de Pequim o lazarista P. ê Joaquim AfonsoGonçalves e enviou-o, em 1870, para a Real Biblioteca Nacional de Lisboa, o Dr. Carvalho, Governador do Bispado de Macau".
Outro Dicionário da língua Chinese (sic) e Portuguesa, manuscrito provavelmente da mesma época do anterior, é referido por Barbosa Machado (não encontrei referências nem em Pfister, nem em H. Bernard, nem em Cordier) como da autoria do Padre Gaspar Ferreira, S. J., (1574-1649). Diz Barbosa Machado que colheu esta informação na Nouvelle Relation de la Chine, do Padre Gabriel de Magalhães, que é a versão francesa da sua obra inédita em português As doze Excelências do Império da China.
Pfister e Couling mencionam outro manuscrito do Padre Gabriel de Magalhães (1610-1677), um tratado sobre a escrita e língua chinesa, em que ele próprio refere ter recolhido terminologia teológica e filosófica. Mas desconhece-se o paradeiro deste manuscrito, que não seria um verdadeiro dicionário, mas talvez um vocabulário ou glossário.
Diversos autores e bibliografias mencionam outros dicionários luso-sínicos manuscritos. Tentarei fazer o seu elenco sem pretender ser exaustivo; e, tendo em conta que alguns não têm autoria conhecida, nem data, é provável que venham referidos em ordem incorrecta.
Pfister assinala que o P. ê H. Bernard e o Irmão van den Brandt encontraram em Roma, em 1933, um dicionário chinês-português manuscrito, sem data, nome de autor ou prefácio. Avançam Pfister e d'Elia (que também se lhe refere) que deve ser de 1660 ou 1661. Com efeito, este manuscrito contém, no fim, uma lista em latim e chinês de 77 missionários, desde S. Francisco Xavier até ao Padre Cristiano Herdricht, chegado à China em 1660. Esta lista, bem como uma outra de 16 jesuítas que não chegaram ao sacerdócio, considerada raríssima, vem reproduzida fotograficamente por Pfister no início do 2° volume das suas Notices. O dicionário e a lista foram adquiridos, nos anos trinta, pela Biblioteca Nacional de Pequim.
Outros dicionários luso-sínicos são assinalados na notável e sempre útil Bibliotheca Sinica de Cordier, nos vols. III e IV. Ao ocupar-se de diversos dicionários manuscritos (col. 1626 e segs.), refere o dicionário chinês-latim-francês-português--italiano-alemão do Padre Florian Bahr. Cordier diz não o ter encontrado, sugerindo uma possível confusão com o manuscrito do P. e De la Charme, apesar de lhe ter sido indicado pelo Ministro de França em Pequim, Conde Julien de Rochechou-art, que ele existia na Biblioteca dos Lazaristas, no Beitang. Mas a verdade é que o Catalogue de la Bibliothèque du Pé-T'ang, Pékin, Imprimerie des Lazaristes, 1949, não lhe faz referência.
Cordier indica a existência de dois dicionários manuscritos na Biblioteca Real de Estocolmo: um chinês-português (e latim), de 880 pp. in folio e sete mil caracteres (este dicionário vem na Bibliografia Macaense de Luís G. Gomes, com o n. ° 504); e outro chinês-latim (e português). Assinala também um dicionário português-chinês manuscrito, dito "Dicionário de Varo", existente na Biblioteca Apostólica Vaticana, fundo Borgia Cinese 420: Vocabolario da lingoa Mandarina ordenado por el RR P. ~&e Fr. Francisco Varo da orden de Pregadores [...]feite [sic] nella igreja de N. P. ~&e. Santo Domingo da cidade de Fôning a 20 de Mayo do anno 1670(Repare-se na confusão entre o Português, o Espanhol e o Italiano).
Na Biblioteca Vaticana, também no fundo Borgia Cinese 473, há um outro dicionário manuscrito chinês-português, por radicais dos caracteres, em que na parte da caligrafia europeia Cordier sugere que possa ser da mão de Foucquet. Nos manuscritos sobre o Extremo-Oriente da Biblioteca Vaticana, há ainda um outro dicionário chinês-português, com os vocábulos por ordem alfabética romanizada, com a indicação "anno do Senhor de 1625", e que pertenceu a Castorano.
Até aqui, todos os dicionários luso-sínicos em reportório são, como se viu, manuscritos inéditos. Quanto sei, só a partir do séc. XIX começaram novos léxicos a ser dados à estampa. Os primeiros passos nesse sentido devem-se ao Padre Joaquim Afonso Gonçalves, que passou trinta anos da sua vida em Macau. Presbítero da Congregação da Missão, foi autor de Gramáticas, Léxicos, etc.. O seu Dicionário portuguez-china, no estylo vulgar mandarim, e clássico geral, foi publicado pelo Colégio de S. José, em Macau, em 1831. Dois anos após saía o Dicionário china-portuguez, no estylo vulgar mandarim, e clássico geral, no mesmo Colégio. Embora desactualizados e de algo difícil consulta, constituem um trabalho pioneiro e valioso, mostrando além do mais o "cursivo" dos caracteres chineses ao lado da forma de imprensa.
Já no presente século, aumentou consideravelmente o número de dicionários luso-sínicos vindos a lume, que tentarei agora inventariar, mais uma vez sem qualquer pretensão de ser exaustivo.
Refiro em primeiro lugar, pois entendo que se justifica apesar da inversão cronológica, o Dicionário Chinês-Português de Análise Semântica Universal, do Padre Joaquim A. de Jesus Guerra, S. J., publicado em Macau em 1981. Ao longo das suas 1118 páginas reflecte-se uma vida de estudo que dignifica a sinologia portuguesa.
Para os restantes dicionários publicados em Macau, valho-me da Bibliografia Macaense de Luís G. Gomes, publicada pelo Instituto Cultural de Macau em 1987, em reedição fac-similada, que referirei pela sigla B. M.. Incluirei outros cuja indicação devo ao meu amigo Dr. António Graça de Abreu e aos seus vastos conhecimentos sobre o mundo chinês e as suas ligações com o português.



- Alexandre Majer, Vocabulário português-chinês, Macau, Escola Tipográfica do Orfanato, 1934, B. M. n° 964.
- Luís G. Gomes, Vocabulário cantonense-português, Macau, Centenário da Fundação e Restauração, 1941, B. M. n" 706.
- Luís G. Gomes, Vocabulário português-cantonense, Macau, Centenário da Fundação e Restauração, 1942, B. M. n° 707.
- Luís G. Gomes, Vocabulário português-inglês-cantonense, Macau, San Chong Trading & C°, 1954, B. M. n° 708; 2a ed., 1958, B. M. n° 709.
- Dicionário de algibeira chinês-português, Macau, Edição do Governo da Província, 1962, B. M. n°502.
- Dicionário chinês-português, Macau, Edição do Governo da Província, Imprensa Nacional de Macau, 1962, B. M. n" 503.
- Dicionário de algibeira português-chinês, Macau, Edição do Governo da Província, Imprensa Nacional de Macau, 1969, B. M. n° 505.
- Dicionário português-chinês, Macau, Edição do Governo da Província, Imprensa Nacional de Macau, 1971, B. M. n. ° 506.
- Um dicionário sem data, plagiando os de Macau, publicado em Hong Kong pela Guoji yuyan zhongxin yinghang, intitulado Dicionário de Algibeira Português-Chinês, e em chinês Xin-bian Pu Zhong Zidian, ou seja "Novo Dicionário Português-Chinês".
- Dicionário Português-Chinês, Pu Zhong Zidian, São Paulo, Artes Gráficas Editora, 1974.
Em cerca de 400 anos, pois, temos uns doze dicionários luso-sínicos manuscritos inéditos e uns treze impressos. Desnecessário será sublinhar o grande interesse, de um ponto de vista histórico e linguístico, dos primeiros. A circunstância de a língua portuguesa ter sido a dominante, a "língua franca" de então, na Ásia Extrema,bem podia justificar um esforço de investigação e editorial, agora que nos aproximamos, com o fim do milénio, do termo do nosso "ciclo do Oriente". Desejando-se que uma das vertentes da nossa presença futura nesta área seja a cultural, bem enriqueceria os estudos orientalistas portugueses a publicação de um daqueles dicionários luso-sínicos dos primeiros tempos. E porque não o primeiro de todos, o manuscrito de Ricci e Ruggieri, conservado no arquivo da casa--mãe dos Jesuítas, em Roma, numa edição científica e graficamente cuidada que nos prestigiasse nos meios sinológicos mundiais? Tal aconteceu, embora com escasso envolvimento nosso, com a publicação no Japão, em 1980, do Vocabulario da lingoa de Iapam, de 1603. Que esta iniciativa possa servir de exemplo, e sobretudo de estímulo, nos últimos anos da nossa presença administrativa na Cidade do Nome de Deus na China.
Artigo da autoria de João de Deus Ramos in Revista de Cultura, N°22, II Série, Janeiro/Março de 1995

sábado, 17 de fevereiro de 2018

O Ano Novo chinês na década de 1950

“Por entre o estralejar ruidoso e constante dos panchões e estalinhos, a que se junta o natural alvoroço dos dias festivos, surgiu na noite de 23 para 24 do mês de Janeiro (1.ª lua) o Novo Ano Chinês. Em Macau, onde a população china não dorme durante dois dias e duas noites, a festa, com a maioria dos estabelecimentos comerciais encerrados, é tradicionalmente rija e cheia de colorido, decorrendo num ambiente de euforia difícil de descrever.

Muita gente suspende o trabalho e, para alguns, é chegada a altura de receber o sonhado fau-hong – modesta compensação de um ano inteiro de labuta. Acertam-se as contas, pagam-se as dívidas, fazem-se compras, estreiam-se novas cabaias, visitam-se os parentes e amigos, trocam-se ofertas e os lai-si – pequenos sobrescritos vermelhos, simbólicos portadores da Felicidade, contendo alguns avos – andam de mão em mão. A todo o momento e por toda a parte, ouvem-se felicitações: – Kong-hei Fat-choi! E nesta frase usual, simples e expressiva, há um pequeno mundo de esperança e promessas. Há pelo menos, a ilusória mas sincera intenção de prognosticar auspiciosas riquezas e venturas perenes…
Embora a China tenha adoptado o calendário gregoriano desde a implantação da República, em 1911, os chineses continuam tradicionalmente a festejar o San Nin ou Ano Novo, pela contagem das luas, e daí ser, também, designado por Ano Lunar. Durante os festejos, o chinês obsequeia faustosamente os seus deuses, invocando a sua protecção; procura afugentar os espíritos malignos que povoam todas as habitações, e amedrontar os seres perniciosos que, porventura, intentem realizar os seus malefícios; e celebra o culto dos antepassados, além de prestar submissão ao chefe de família. E tudo isto realizado sob a forma de cerimónias solenes a que assistem todos os parentes, findas as quais se queimam mais panchões, se acendem pivetes e explodem os petardos, num crepitar incessante e atroador.
Depois, vem o abundante repasto, ofertado por intenção aos deuses e composto de mil e uma iguarias, que são saboreadas gulosamente e no meio do maior júbilo.
Com o advento do Novo Ano, verifica-se o regresso do ‘Deus Fogão’ – ‘o espião que tudo vê’ e que, sete dias antes, partira do seu nicho, na cozinha, a fim de, junto do ‘Soberano dos Céus’ (o Imperador Jade) relatar quanto observara, em cada casa, durante um ano inteiro. Assim, para evitar a coscuvilhice daquela divindade, cada família procura cativar as suas graças e obter a sua indulgência, ofertando-lhe bolinhos, velas e pivetes e ‘batendo-lhe cabeça’, chegando alguns a oferecer-lhe mel para adoçar os beiços, ou bebidas alcoólicas para lhe entorpecer a memória e lograr, deste modo astucioso e pueril, a omissão de algumas faltas que pesam nas suas consciências e pelas quais recebem o castigo de ‘Iôk-Uóng’ – o soberano hierárquico do ‘Deus Fogão’…
O chinês tem nesta época festiva a preocupação de vestir as melhores cabaias, calçar sapatos novos e melhorar as próprias refeições. Por outro lado, é tradicional a permuta de ofertas com parentes e amigos e ainda, a visita recíproca entre eles.
Nos pagodes e oratórios públicos, ardem pivetes, incenso e sândalo e, nesses dias, a afluência desusada dos devotos constitui um acontecimento espectacular, pelo movimento, diversidade e colorido das gentes. Ali encontramos um sortimento completo de acepipes, frutas, vinhos e carnes (ou simples punhados de arroz) votados às preclaras divindades e tendentes a aplacar as suas iras.
Cumpridas as formalidades rituais, toda a gente vem para a rua, a passear e a divertir-se ruidosamente.
Na Rua dos Mercadores e na das Estalagens, pululam os vendedores ambulantes das mais diversas e características prendas, não faltando os hon-pau, pequenos sobrescritos vermelhos, destinados a conter os lai-si e os calígrafos, vendendo os seus letreiros vermelhos de caracteres dourados com frases auspiciosas de prosperidade. Estes são colados nas paredes exteriores da habitação, nas portas e nos veículos, e as suas inscrições referem-se a votos de longa vida, mil e uma venturas, numerosa prole. Outras há que amaldiçoam os espíritos malignos. 
Uma nota pitoresca dos festejos do Novo Ano Chinês em Macau é a que se observa no Largo do Leal Senado onde a multidão se aglomera para a compra de flores e plantas. Há a convicção, entre os chineses, de que certas plantas têm o condão de atrair a Felicidade e, daí, a grande procura de determinadas espécies. Elegantes e graciosas chinesitas, vestidas a rigor nas suas cabaias estreitas e coloridas, de grandes aberturas laterais, passeiam e sorriem, por entre as bancadas floridas experimentando o odor perfumado dessas frágeis florinhas, tão frágeis e tão simples como elas.
Mas este ambiente festivo, de cor, aparato e movimento, estende-se por toda a cidade, desde as grandes avenidas aos bairros mais humildes. No Porto Interior, os juncos e tancares – embarcações que constituem residência flutuante e permanente – ostentam rubras bandeiras, e numerosos e berrantes letreiros vermelhos, com caracteres dourados. Durante três dias, toda a frota piscatória deixa a faina do mar: os barcos aproximam-se do porto e aglomeram-se ali, aos milhares. E os seus habitantes largam o labor quotidiano e vêm passar o Ano Novo à cidade. É assim o povo chinês, levando uma vida árdua, de intenso labor, procura nesta época, tirar partido desse esforço, entregando-se exclusivamente à folia, na vã quimera de melhores dias.”

Artigo da autoria de Ninélio Barreira, publicado no “Sábado Popular”, suplemento do “Diário Popular” (1942-1991), em 1957 e republicado no  livro “Ou-Mun – coisas e tipos de Macau”, edição ICM, 1994

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

O "clu-clu" no ano novo chinês de 1895


A par do fantan, apenas um outro jogo se equipara em termos de popularidade. Refiro-me ao Cussec, igualmente conhecido por uma variedade de outras designações: Clu-Clu (século XIX, pelo som produzido pelos três dados), Sic Bo, Big and Small, Tai Siu (grande e pequeno).
Enquanto o fantan já era explorado mediante autorização expressa do governo (regime de licença ou concessão em exclusivo) desde meados do século XIX, o Cussec foi durante mais de um século explorado apenas por alturas do ano novo chinês.
Veja-se o anúncio publicado em Boletim Oficial de 22 de Dezembro de 1894 para atribuir uma licença de 25 de Janeiro a 1 de Fevereiro de 1895, mais concretamente "em hasta pública e por licitação verbal à adjudicação para se estabelecerem mesas de jogo clu-clu nas ruas do bairro china".
Seria apenas a partir de 1962 que o cussec passou a ser explorado de modo permanente com a entrada em cena da STDM.

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

Macau prepara chegada do Ano Novo Lunar do Cão

Com a chegada do Ano Novo Lunar do Cão, que acontecerá dia 16 de Fevereiro, a Direcção dos Serviços de Turismo de Macau preparou um vasto programa de festividades.
Do programa fazem parte concertos, espectáculos étnicos, actuações da Dança do Dragão, workshops e exposições.
O ponto alto das festividades está agendado para o dia 18 de Fevereiro, domingo, com a realização de uma parada de carros alegóricos com actuações culturais entre a Praça do Lago Sai Van e o Centro de Ciência de Macau, e que contará com a participação da marcha do Bairro Alto, seguindo-se pelas 21:45 o sempre tão esperado fogo-de-artifício na baía em frente da Torre de Macau.
Esta parada irá repetir-se no dia 24 de Fevereiro, sábado, entre a Rua Norte do Patane e o Jardim Municipal de Iao Hon, onde acontecerão diversas actuações culturais e artísticas.
Kun Hei Fat Choi!

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

Uma 'Porta' na Travessa da Paixão

Imagem da década de 1910/20 onde pode ver-se uma das várias portas do muro que cercava o colégio de S. Paulo na denominada Travessa da Paixão (desde 1925). O topónimo remete para o sentimento e respeito pela religião. O nome em chinês significa romântico/amor
Década 1930
As Ruínas de S. Paulo referem-se ao conjunto formado pela fachada da antiga Igreja da Madre de Deus, construída entre 1602 e 1640, e as ruínas do antigo Colégio de S. Paulo, que ficava localizado ao lado da igreja, ambos destruídos por um incêndio em 1835. Em conjunto, a antiga Igreja da Madre de Deus, o Colégio de S. Paulo e a Fortaleza do Monte eram todas construções jesuítas e formavam um conjunto que pode ser identificado como a "acrópole" de Macau. A fachada das Ruínas de S. Paulo mede 23 m de largura por 25,5 m de altura, estando dividida em cinco níveis. Seguindo o conceito clássico da divina ascensão, as ordens da fachada em cada nível horizontal evolvem da base para o topo da ordem jónica, passando pela ordem coríntia até à ordem compósita.
Foto de Harry Ho (2017)
Os dois níveis superiores estreitam gradualmente para suportar um frontão triangular no topo, que simboliza o último estado da divina ascensão - o Espírito Santo. A fachada é de estilo maneirista, incorporando alguns elementos decorativos tipicamente orientais. Os temas escultóricos incluem imagens bíblicas, representações mitológicas, caracteres chineses, crisântemos japoneses, um barco português, vários motivos náuticos, leões chineses, estátuas de bronze com imagens dos santos jesuítas fundadores da Companhia de Jesus e outros elementos que integram influências europeias, chinesas e de outras partes da Ásia. No seu todo, essa composição reflecte uma fusão de influências à escala mundial, regional e local. Hoje em dia, a fachada de S. Paulo funciona simbolicamente como o altar da cidade. O seu traçado barroco/maneirista de granito é único na China (tal como refere a publicação Atlas mundial de la arquitectura barroca, da UNESCO). As Ruínas de S. Paulo são um dos exemplos mais eloquentes do valor universal excepcional de Macau.
Na proximidade da fachada, os vestígios arqueológicos do antigo Colégio de S. Paulo apresentam um testemunho do que foi em tempos a primeira universidade de modelo ocidental no Extremo Oriente, que contava com um programa académico extenso, incluindo as disciplinas de Teologia, Matemática, Geografia, Chinês, Português, Latim, Astronomia, entre outras. Contribuiu significativamente para a preparação de um elevado número de missionários no seu trabalho de difusão da missão católica romana na China, no Japão e em toda a região. O trabalho missionário protagonizado pelos jesuítas de Macau por toda a região foi crucial na disseminação do catolicismo na China, no Japão e noutros países, permitindo também um maior intercâmbio noutros domínios, como no científico, no artístico e no cultural.