quarta-feira, 30 de abril de 2014

Final do século XIX: curiosidades

I
Em 1869 o mapa do expediente da Procuratura dos Negócios Sínicos de Macau, fornecia, entre outros, os seguintes indicadores: 15 ‘chapas’ recebidas das autoridades chinesas; 9010 contratos de emigração registados; 63 licenças aos faitiões.
II
No termo do ano lectivo de 1870, no Seminário de S. José, foram premiados os alunos que estudavam filosofia. Na ‘Aula de Philosophia Racional’: Efraim Manasses da Silva, Hermenegildo Bastos, Lourenço Marques Júnior. Na ‘Aula de Philosophia Natural’: Lourenço Marques Júnior. Na ‘Aula de Lógica’: Evaristo da Rosa, Clodualdo d’Almeida, Carlos Osório, António d’Almeida, Felix Lopes Júnior, Francisco Osório, José Maria de Jesus, António Nunes Júnior, Izidoro d’Almeida. Na ‘Aula de Rhetorica’: Bomfílio Diniz, João d’Almeida.
Vista em 1870. Foto John Thomson
III
Miguel Pereira Simões (Macau, 1787-Macau, 1874), secretário aposentado da Junta da Fazenda Pública, Cavaleiro da Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa e Comendador da Ordem de Cristo : “Serviu com dedicação o seu país, viveu honradamente e morreu pobre”. Raro e nobre epitáfio.
IV
Numa das sessões do Conselho de Guerra, no dia 21 de Novembro de 1887, foi absolvido, por maioria, o réu Serafim Fernandes, soldado Nº 46/791 da 3ª companhia da Guarda Municipal, acusado que estava do “crime de cobardia”. Era um crime que implicava a condenação à morte.
V
A Estação Naval Portuguesa da China abriu um concurso para a arrematação dos artigos necessários para consumo a bordo dos navios da marinha de guerra nacional, desde o 1º de Janeiro até 30 de Junho de 1888.
Entre os variados itens (escrituração, máquina, limpezas, tintas e caiações, madeiras, amarrações, tecidos, pregarias, cordoame, diversos), privilegiaremos dois:
1º. ‘Mantimentos’: aguardente, arroz, açúcar ordinário, azeite de oliveira, bacalhau, bois vivos e capim para eles, bolacha ordinária, café em grão, feijão branco e encarnado, grão de bico, macarrão, pão alvo, peixe fresco e salgado, sal, vaca fresca e salgada, vinagre, vinho de pasto.
2º. ‘Dietas’: açúcar fino, chocolate, extracto de carne, farinha de trigo, latas com bolacha fina, chá, hortaliças, leite, manteiga de porco e de vaca, toucinho, tapioca, vinho do Porto.
VI
O Chefe do Serviço de Saúde, Dr. José Gomes da Silva, coloca esta informação no seu Relatório de 1886: “ A raposa, vulpes hoole Swin, muito semelhante à que se encontra em Portugal, tem sido caçada na própria península de Macau”.
 Luís-Gonzaga-gomes-1VII
O Ministério dos Negócios do Reino, através da direcção-geral de administração política e civil, fez saber que no dia 22 de Abril de 1888, “o súbdito china Lu-cao foi naturalizado português”. Em Junho de 1890, Lu-cao será agraciado com o título de Cavaleiro da Ordem Militar de Nosso Senhor Jesus Cristo, e em 12 de Abril de 1894 será Comendador da Ordem Militar de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa.
VIII
Joaquim Travassos Valdez, cônsul geral de Portugal em Xangai, oficia ao governador de Macau, no dia 23 de Abril de 1888, sobre a decadência do comércio português na China: “São bem raros aqueles produtos que depois de terem seguido a longa, sinuosa e cara trajectória de Espanha, França ou Londres, conseguem embarcar para a China e chegar puros e com qualidades recomendáveis ao consumo! A nenhum português europeu é desconhecido o miserável contraste, por exemplo dos vinhos do Porto e da Madeira, anunciados por quase todos os armazéns do Extremo Oriente, com as preciosas qualidades e riquezas dos nossos vinhos daquelas regiões! A maior parte destes vinhos são preparados e fabricados no estrangeiro, e será quase impossível, por este consumo de vinhos falsificados, calcular-se a verdadeira quantidade importada do país”. Travassos Valdez apresenta diversas soluções e alvitra que um novo tratado de amizade e de comércio com a China era susceptível de resolver alguns dos maiores problemas.
IX
O Regulamento da Escola Central de Macau tratou “dos castigos” com estas subtilezas: “Os castigos devem ser raros, úteis, razoáveis e infligidos com moderação e sem cólera. Os castigos empregados na escola serão: 1- repreensão particular; 2- repreensão pública; 3- perda de bons pontos; 4- detenção com trabalho no tempo de recreio; 5- penitências moderadas; 6- exclusão do quadro de honra; 7- separação dos outros alunos; 8- expulsão temporária; 9- expulsão perpétua”. Este regulamento foi aprovado no dia 15 de Junho de 1889.
X
Do excelente discurso de posse do Governador Custódio Miguel de Borja, proferido no dia 21 de Outubro de 1890, retenho este parágrafo: “asseguro a todos sem distinção de nacionalidade, raça ou origem, o mais livre exercício dos seus direitos a par da mais sólida garantia dos seus foros legítimos. E não só esse será o meu credo como o de toda a autoridade que, sob as minhas ordens ou por minha delegação, directamente servir”.
XI
O programa da Banda de Música da Guarnição de Macau, na quarta-feira, 1 de Janeiro de 1896, das 7 às 9 p.m., em frente do Quartel-General: 1º. Marcha “O Ano Bom”; 2º. Trechos da Ópera “Fausto”; 3º. Mazurka “La Reine de Bals”; 4º. Valsa “Adelaide”; 5º. Trechos da Ópera “Génévieve de Brabant”; 6º. Bolero “Séville”; 7º. Valsa “Christmas Roses”; 8º. Galope “Immer Fidel”; 9º. Hino da Carta Constitucional.
XII
O bacharel Camilo de Almeida Pessanha é nomeado conservador do registo predial da comarca de Macau, no dia 23 de Fevereiro de 1899.
XIII
Em Setembro de 1899 foram abatidos no matadouro de Macau 277 bois e 2577 porcos.
XIV
Mateus António Lima, professor do Liceu e bibliotecário da Biblioteca Nacional reporta que em Outubro de 1899 houve 35 leitores e 42 livros consultados, monopolizando a literatura e a história a preferência dos frequentadores.
 XV
Aviso emitido pela Secretaria Geral do Governo da Província de Macau, no dia 27 de Novembro de 1899: “Faz-se público para conhecimento de quem possa interessar que, o vapor ‘Australian’ da companhia da Austrália, largará deste porto para Timor, no dia 8 do próximo mês de Dezembro. Concedem-se passagens gratuitas a colonos indígenas que queiram ir estabelecer-se naquele Distrito”. 
XVI
No dia 30 de Dezembro de 1899 foram aprovados os estatutos da Associação de Beneficência Ka-Sin-Tong, localizada na Taipa. Esta “associação é formada por meio de subscrição feita entre homens filantrópicos e tem por fim o seguinte: distribuir medicamentos próprios de cada estação sob a forma de pílulas e pós; curar gratuitamente os enfermos; fazer prelecções; distribuir livros; recolher papeis escritos e fazer outras obras pias”.
Selecção de António Aresta

terça-feira, 29 de abril de 2014

Pan Am em 1937



Já por várias vezes abordei este tema. Desta vez volto ao mesmo para mostrar as imagens e legendas do Anuário de Macau de 1938 com uma 'reportagem' sobre a chegada a Macau do “Hong Kong Clipper” a 28 de Abril de 1937. Aterrou às 10 horas da manhã, com malas postais e, pela primeira vez na sua história, os habitantes de Macau puderam enviar o seu correio por via aérea.

Foi em 1936 que a Pan American Airways abriu um escritório bem como um posto meteorológico e de radar na colina da Penha em Macau. O primeiro voo, a título experimental, chegou a Macau a 23 de Outubro de 1936. Foi o Philipine Clipper. As conversações com o governo começaram anos antes e essas infraestruturas eram consideradas essenciais para as operações. O feito era importantíssimo para o território. Pela primeira vez havia uma ligação aérea de carácter regular com o resto do mundo. Foi sol de pouca dura mas isso fica para outro post.

Deixo ainda mais alguns elementos sobre a implantação da Pan Am em Macau. Neste caso, um excerto da carta do enviada para Lisboa pelo gerente do BNU, o brigadeiro Vasco Themudo (que acabara de chegar ao território em 1936). Na missiva solicita-se a celebração de um contrato com a Companhia Pan-American Airways para que esta passasse a fazer carreiras para Macau e lamenta-se que Macau continue  a não ter o “tão desejado e afamado porto marítimo de Macau tão sonhado e nunca concretizado”.
“São enormes as reduções dos proventos dos exclusivos dos jogos e lotarias, e do rendimento do ópio que há-de tender a diminuir e possivelmente acabar num futuro próximo, com as campanhas para terminar com o hábito do vicio e cura dos intoxicados, e especialmente pelas medidas que vão ser postas pelo Governo do Norte da China a partir de Agosto, como V.Exas. poderão ver do recorte do South China Morning Post que mando junto. Por essas medidas quem se atrever a fumar ópio depois do dia 10 de Agosto, poderá ser condenado a prisão perpétua ou mesmo sentenciado à morte. Nada vemos no horizonte de que se possa lançar mão para fazer ressurgir esta Colónia, senão transformar Macau num aeroporto. Gastaram-se mais de 15 milhões de patacas para fazer um porto marítimo e ficámos sem porto e sem as patacas.”

sábado, 26 de abril de 2014

Alterações pós 25 de Abril aos programas de ensino

Linhas de orientação aos Serviços competentes, no que respeita aos diversos ensinos do Ultramar.
Na sequência do 25 de Abril, Dr. Vitorino Magalhães Godinho, novo ministro para a Educação e Cultura (que serviu de 18 de Julho de 1974 até 30 de Novembro do mesmo ano) emitiu linhas de orientação para os serviços de educação nos territórios do ultramar.
“A queda do regime fascista e o processo de democratização que se iniciou em Portugal em 25 de Abril tornaram inutilizáveis, na sua maior parte, os programas dos ensinos básico e secundário,” escreveu.
“Na verdade esses programas visaram, no seu conjunto a conformação com a ideologia do regime deposto, sofriam de graves distorções impostas por motivos políticos e estavam eivados de um espírito anacrónico, em oposição flagrante muitas vezes com a atitude científica e a abertura da criação cultural ao mundo moderno.” Já que os programas não poderiam ser mantidos num contexto pós-revolucionário, o ministro reiterou que o ensino deveria ser encarado como uma ferramenta na transformação nacional, para formar “cidadãos conscientes e responsáveis e trabalhadores competentes”. As alterações ao currículo vigorariam, a título experimental, durante o ano lectivo 1974-1975, após o qual haveria uma reforma do sistema de ensino nacional. Estas mudanças seriam introduzidas nas escolas oficiais de Macau, ainda sob administração portuguesa, assim influenciando a experiência escolar de muitos jovens nesta zona do mundo.
Texto e imagem do Arquivo Histórico de Macau

sexta-feira, 25 de abril de 2014

25 de Abril de 1974


NM: capa das edições dos dias 26 e 27 de Abril de 1974

Em Macau, o dia 25 de Abril de 1974 amanheceu quente e húmido, “talvez com mais sol que o habitual”, recordam os contemporâneos. Rui de Mascarenhas “atracção nacional e vedeta internacional” era o homem do dia em Macau. Cantava no festival “Abril em Portugal” com o patrocínio do Hong Kong Hilton Hotel, British American Tobacco e Vinhos do Porto “Ferreirinha”. O serviço de cozinha “tipicamente portuguesa” mais o espectáculo custava 25 patacas - 105 escudos ao câmbio da altura.
“Os Segredos de um Vendedor de Porta à Porta" era, para maiores de 17 anos, o filme mais sugestivo dos quatro “teatros” que, em Macau, exibiam cinema em sessões quase contínuas. Os restantes filmes, todos de produção de Hong Kong, falavam de “O caso” e de “Quatro Verdadeiros Amigos”.
Os jornais do dia seguinte mostraram que o 25 de Abril foi um dia cheio de peripécias. O “Notícias de Macau” dava conta que uma interna de 16 anos, fugira do Asilo de S. Francisco Xavier das Irmãs Canossianas, em Mong Há, desconhecendo-se o seu paradeiro. Já o comerciante Lim Fu Shou queixava-se à PSP de lhe terem roubado o carro “Honda” e o recheio que consistia, segundo a queixa, “em 44 garrafas de vinho do porto, três de vinho “Rosé”, quatro de “Coca-Cola”, um transístor de marca “Phillips” e dois baldes de plástico.
Ho Yin ao centro discursando
A “Gazeta Macaense”, por outro lado destacava que o carro de outro comerciante, Luís Bonifácio Fão, não estava onde o tinha deixado na noite anterior e cautelosamente “presumia que tivesse sido furtado”.
O que os jornais não contavam era que em Portugal tinha havido um golpe de Estado, mas ninguém ficou admirado. As notícias nacionais e internacionais, aceites para publicação pela comissão de censura local, eram apenas as enviadas pela ANI e a Lusitânia e tinham mais de uma semana de atraso. Os responsáveis pelos dois jornais de língua portuguesa de Macau só muito mais tarde souberam que as agências não lhes tinham enviado trabalhos nesse dia.
Assim, o “Notícias de Macau” publicava um trabalho do “cronista parlamentar”, Haendel de Oliveira(1), datado de 17 de Abril, sobre o magno problema das “Transplantações-um problema técnica e moralmente delicado”, em que se elogiava que “pertinente observação se nos afigura ser a que ontem fez a deputada pelo Estado da Índia Drª Teresa Lobo (...) sobre transplantações de tecidos ou órgãos de pessoas vivas”(2).
Mas toda a gente já sabia o que se estava a passar. “Ao fim da tarde, a rádio de Hong Kong, que transmitia o noticiário da BBC, falou do golpe em Portugal” recordou o arquitecto José Maneiras, na altura já “do reviralho”, como então se dizia, ou mesmo o Comendador Morais Alves(3), das fileiras do regime, que recordou ainda que “foi o Pedrinho Lobo(4) que me avisou das notícias”.
José Maneiras diz que “as primeiras notícias foram confusas”. Falavam do controlo pelos golpistas do Terreiro do Paço, de que o Governo “estava em fuga”, mas também que “ainda havia bolsas de resistência nos quartéis”. Apressou-se a telefonar a outro “do contra” – o arquitecto Francisco Figueira(5) – mas este não acreditou às primeiras. E com boas razões.
Vizinha da grande China onde imperava Mao Tse-tung, a população portuguesa não sentia a “asfixia” do regime como em Portugal. A PIDE/DGS não existia, ainda que se soubesse de “uns bufos mais ou menos encartados”. A censura era feita pelo Gabinete do Governador mais por “inerência de funções”, embora também não houvesse nada para censurar pois a informação já vinha controlada de Lisboa.
Macau servia mesmo de “refúgio” para uns velhos republicanos (Damião Rodrigues(6) e Vivaldo da Rosa) ou recém-saídos das lutas estudantis como Neto Valente, Francisco Figueira, etc. Na pacatez que então se vivia, estes e mais uns tantos portugueses, naturais ou radicados em Macau, iam reunindo no café, falando do que se dizia e sabia da vida portuguesa e da governação local “tudo com muito cuidado”.
Nas Forças Armadas em serviço em Macau também sopravam “novos ventos” por força da vinda de oficiais mais novos. Rocha Vieira era então Chefe do Estado Maior do Quartel General e pela “província” encontravam-se os capitães Pinto Ferreira e Ghira, o 1º tenente Ramalho e os comandantes Guerra da Mata e Catarino Salgado.
Em 1974, os oposicionistas tinham ganho novo alento. Spínola publicara “Portugal e o Futuro” e era já indisfarçável a dissidência no interior do regime. José Maneiras, recém-regressado de Portugal, onde se licenciara em Arquitectura, trouxera as entrelinhas duns recortes dos jornais “República”, “Diário de Lisboa” e “Expresso” e a convicção de que “a coisa estava para breve”. Aumentaram os telefonemas para Lisboa que na altura podiam demorar cinco ou mais horas a efectivar-se.
Quando se soube do 16 de Março, os anti-situacionistas viram justificado o optimismo. A casa de Francisco Figueira (o “solteiro geográfico” do grupo) serviu então, de base, para se “viverem” as peripécias do “golpe das Caldas”, em longas noites passadas “a vodka e cigarros tentando apanhar a BBC ou a Voz da América”. Duas semanas depois, porém, o ânimo já tinha definhado. O regime parecia são como um pêro, os “golpistas tinham sido detidos ou transferidos e Spínola e Costa Gomes não davam de si”.
“Estava já tudo conformado e a 1 de Abril, resolvi pregar uma peta ao Figueira”, conta José Maneiras. Com o pano de fundo dos receios de um golpe de extrema-direita, “contei-lhe que tinha ouvido as notícias de um golpe em Portugal e tinha sido formado um novo Governo com o Rapazote(7) como presidente do Conselho, o Kaulza(8) para a Defesa e um outro “ultra” para o Ultramar. Relembra Maneiras que a reacção de Francisco Figueira foi tão violenta - “nunca mais ponho os pés em Portugal e vou-me embora de Macau” - que teve de lhe explicar que era “brincadeira do Dia das Mentiras”. Por isso quando, em 25 de Abril lhe contou o que estava a passar em Portugal, foi difícil fazê-lo acreditar que desta vez era a sério.
Edição da Gazeta Macaense de 27 de Abril 1974
GOVERNADOR FALA À PROVÍNCIA
O então Governador general Nobre de Carvalho, também estava confuso, pois os acontecimentos precipitavam-se a um ritmo e com um “conteúdo” a que a então “Província” não estava habituada. Já com muitos anos em Macau, Nobre de Carvalho acabara, a 23 de Abril de falar na sessão de abertura da Assembleia Legislativa, de que era, também presidente(9).
O Governador salientara, então que “vendavais procelosos fustigam a Nação portuguesa que continua a ser alvo de uma cabala internacional visando, em especial, a nossa política ultramarina acerca da qual se fazem afirmações falsas e caluniosas”.
Nobre de Carvalho prosseguiu que “o venerando Chefe do Estado Senhor Almirante Américo Thomaz, evidenciando, como sempre, o seu espírito firme e calmo continua dando ao País um alto exemplo de trabalho, dedicação e espírito de sacrifício” e que “sob a sua égide, prossegue o Governo Central, chefiado pelo Professor Marcello Caetano – esse clarividente estadista, homem de pensamento e acção – que atenta e devotadamente dirige a política geral do País, onde é já bem evidente a profunda transformação para melhor, operada em todos os sectores da vida nacional, como consequência de uma acentuada melhoria económica e da aceleração da politica social”.
Foi um discurso grande – o “Notícias de Macau” deu-lhe as primeiras páginas e interiores de três dias seguidos (com a mesma manchete, para não destoar), discurso que terá agradado muito à Assembleia pois o vogal Henrique de Senna Fernandes entendeu caber-lhe “em nome da Assembleia Legislativa, felicitar, em primeiro lugar, Vossa Excelência, Senhor Presidente, pelo realismo com que se referiu à hora grave que a Nação atravessa”.
Diz o “Notícias de Macau” que o orador, “certo de reflectir a vontade dos vogais daquela Assembleia”, propôs que fosse enviado ao ministro do Ultramar um telegrama onde se lhe solicita que “se digne transmitir Sua Excelência Presidente do Conselho Professor Doutor Marcello Caetano rendido preito respeitosa admiração grato reconhecimento desta Assembleia (...) e expressa seu inteiro apoio política ultramarina que define o rumo melhor serve superiores interesses nacionais e que impõe nesta hora grave país atravessa a maior coesão todos os portugueses”. O texto foi aprovado “por aclamação” e combinada nova reunião para dia 29.
SILÊNCIO NO PALÁCIO
Enquanto a informação portuguesa local “desconhecia” o que se passava em Portugal, as rádios e televisões de Hong Kong iam acrescentando pormenores, a partir de certa altura já com imagens dos acontecimentos. Aos olhos de todos era claro que o movimento vencera e que Spínola era a primeira figura de proa. “Abrimos o champagne, festejámos o fim do anterior regime, mas não ficámos muito convencidos de que alguma coisa iria mudar em Macau”, disse-nos um dos elementos do grupo anti-situacionista. A oficialidade mais nova - onde António de Spínola era “herói” - tentava levar o Governador Nobre de Carvalho a “ligar-se” ao novo regime, enquanto o então comandante militar, Mesquita Borges(10), o tentava convencer do contrário. O Governador hesitava. Pretendia que “a nova ordem política anunciada, salvo em alguns aspectos, em pouco irá afectar a vida político-administrativa desta terra”, e justificava que “em Macau, a excelente convivência e a mútua compreensão entre cidadãos de diferentes etnias, credos, ideologias e culturas já revelava à evidência uma forma de pensar e de viver, diferenciada, digamos assim, sob certos aspectos das restantes regiões do território nacional”.
A pressão, e as dúvidas, eram tantas que a 30 de Abril, decidiu-se a enviar um telegrama ao ministro do Ultramar a solicitar instruções. O ministro Rebello de Sousa(11) já não governava há quatro dias, mas os jornais de Macau ainda lhe atribuíram a resposta a informar Nobre de Carvalho sobre a sua manutenção no cargo. Possivelmente foi confusão. Como entre as primeiras leis da Junta de Salvação Nacional, a 29 de Abril se contava uma que exonerava “das suas funções os Governadores Gerais de Angola e Moçambique”, depreendia-se que o de Macau, entre outros, se mantinha. Assim se explica, aliás, que a 30 de Abril, Nobre de Carvalho agradecesse directamente a Spínola a confiança da Junta e lhe manifestasse o apoio.
PRIMEIRAS NOTÍCIAS SURGEM A 27
Finalmente nos jornais do dia 27 de Abril aparecem as primeiras notícias sobre o “Movimento das Forças Armadas”. Ainda visado pela Censura, o “Notícias de Macau” anunciava que “o General Spínola foi proclamado Chefe do Portugal Novo”, mas adiantava que “continua a aguardar-se a revelação dos nomes dos principais responsáveis pelo MFA e as declarações que então deverão ser feitas por aqueles sobre quem recairão as pesadas e honrosas responsabilidades de governar a Nação”. Comentava candidamente “que mudem os sistemas políticos será sempre secundário, pois o que importa é que os governantes de ontem, de hoje e de amanhã, sejam verdadeiros portugueses, pois isso é sobretudo e sobre todos o que interessa”. Só a importância desta notícia retirou a quarta parte do discurso do Governador para a parte debaixo do jornal. Ao lado, Dutra Faria, director executivo da ANI escreve sobre “Miterrand, o inquietante”, “o socialista que se apresenta como candidato das esquerdas, apoiado pelos comunistas”...
“GOLPE DE RINS” QUASE GENERALIZADO
No dia 29 de Abril, a Assembleia Legislativa de Macau dá um verdadeiro “golpe de rins” que nem todos aceitarão. Antes da Ordem do Dia, Nobre de Carvalho (depois de saber que se mantinha como Governador) afirma que “trata-se de uma oportunidade única aquela que agora é proporcionada a toda a Nação Portuguesa, graças à iniciativa de um punhado de cidadãos e oxalá o país compreenda a importância de tal facto e comprove, pelo seu espírito cívico, que merece uma remodelação da vida portuguesa uma nova ordem politica, nos moldes que foram anunciados pela Junta de Salvação Nacional”.
Na mesma sessão, o vogal Carlos Assumpção acentua o “indefectível fervor patriótico e a doação total à causa pública que animam os ilustres homens de armas que compõem a Junta”, o vogal Ho Yin(12) acha que a continuação do Governador Nobre de Carvalho é “motivo de júbilo para esta Província” e o vogal Humberto Rodrigues(13) destaca a presença na Junta de Salvação Nacional do general Jaime Silvério Marques, ex-Governador de Macau, o que é “motivo de grande júbilo e de fé e de esperança no novo regime de que em boa hora faz parte, designadamente no engrandecimento de Macau”.
José Maneiras, também vogal da Assembleia Legislativa, estava noutra. “Desafecto ao antigo regime, com o qual nunca me identifiquei ideologicamente e sem disso fazer segredo) conscientemente desenquadrado de todas as suas formações e estruturas politicas e sem me deixar seduzir por posições confortáveis que me poderiam advir, tudo a bem da coerência dos princípios que me norteiam (...) afirmo a minha adesão aos princípios estabelecidos para a edificação de um Portugal Novo, solidamente alicerçado nos mais sagrados ideais da democracia”, relata o “Notícias de Macau”.
E começa um discurso na Assembleia, lendo na íntegra o poema “No Meu País há uma Plavra Proibida" de Manuel Alegre, puxando “de uma folha de papel que clandestinamente guardava, com enternecido carinho”. A certa altura surge a ideia (as fontes não determinam por parte de quem) de enviar à Junta de Salvação Nacional um telegrama de apoio. A professora Graciette Batalha(14), vogal da Assembleia já falecida recusa-se a assinar. Em livro de memórias, publicado nos finais da década de 80, Graciette Batalha recorda a sua posição contra a incoerência de uma Assembleia que, uns dias antes, tinha enviado a Thomaz e Caetano, um telegrama de idêntico teor.
O Leal Senado de Macau, “como lídimo representante da população da cidade de Macau e atentas às suas honrosas e gloriosas tradições de lealdade à Pátria” e a Câmara Municipal das Ilhas enviaram moções de apoio “aos princípios e objectivos” da Junta, e, em especial, pela manutenção do Governador.
Nobre de Carvalho, mais descansado quanto ao seu futuro próximo, recebia D Duarte Pio de Bragança, príncipe da Beira, de passagem por Macau, e diversas individualidades, entre as quais o Intendente Pires Estrela “acompanhado de alguns funcionários mais categorizados dos serviços de Administração Civil”, segundo o “Notícias de Macau”.
NM: 3 Maio 1974
CDM NASCE NO “FAT SIU LAU”
Os desafectos do regime não estavam dispostos a deixar tudo na mesma. Às 18 horas de 30 de Abril, no restaurante “Fat Siu lau”, na popular “Rua da Felicidade” nascia o CDM – Centro Democrático de Macau, tendo com o fundadores “médicos, advogados, engenheiros, arquitectos, oficiais da Armada e do Exército, funcionários públicos e de instituições privadas”.
À reunião-jantar presidiu o Dr Vivaldo Eurico Modesto da Rosa que, segundo o relato da “Gazeta Macaense”, “historiou os antecedentes da revolução e condenou o regime do governo deposto e em termos entusiásticos e enérgicos manifestou a esperança que da referida revolução saísse uma sociedade mais digna e mais livre”.
Segundo o relato deste jornal – o evento passou só chegou ao “Notícias de Macau” a 3 de Maio – foi decidido enviar “um telegrama à Junta da Salvação Nacional e a um jornal de Lisboa, manifestando a adesão dos democratas portugueses de Macau aos correlegionários de Portugal”, eleita uma comissão coordenadora “para orientar as futuras reuniões e elaborar os estatutos da organização a criar” e sugerido pelo comandante Guerra da Mata “que nas próximas reuniões se convidassem senhoras que estivessem integradas no movimento democrático em Portugal”.
Publicado na revista Macau em Abril de 1994
Foram mais de três dezenas os fundadores do CDM. Das assinaturas dos telegramas ficaram para a história os nomes de Vivaldo da Rosa, José Fernandes, Martins Dias, Dias Brito, Manuel Gomes Eusébio, Herculano Estorninho, Damião Rodrigues, Adolfo Aboim, Roçadas Ramalho, Francisco Figueira, Jorge Saraiva Parracho, José Celestino Silva Maneiras, Palmiro Augusto Estorninho, Fernando Augusto Batalha da Silva, Geraldo Maria Lopes do Rosário, Jorge Neto Valente, Valdemar Gamaral Garcia, Augusto António Catarino Salgado, Armindo Costa, António Júlio Estácio, Mário Fernandes Ribeiro, António Manuel Vieira Pinto Ferreira, Anízio Rómulo Luiz, Manuel Palha Calado, Alfredo Ghira, António Vicente Gracias, Tarcísio Luz, e Francisco Arnaldo Mendes Joaquim Silvério Guerra Mata.
Nasceu assim a primeira Associação Cívica de Macau, que assinaria depois um protocolo de cooperação com o Partido Socialista que teve uma enorme importância na resolução de questões do funcionalismo públicos antes de 1999 e que ainda hoje se mantém. O CDM é hoje a única associação de cariz política devidamente registada na RAEM.

CENSURA ACABOU A 3 DE MAIO
A “Gazeta Macaense”, que tinha Leonel Borralho como principal animador (o director era o arquitecto Pereira Chan, mas apenas para cumprir a lei de Imprensa de então que obrigava a ter um licenciado como director) apercebeu-se que “Da Junta Militar, de 7, 3 estiveram em Macau" e como de Macau, então com jogadores integrados na selecção nacional portuguesa, resolveu mandar dois telegramas ao general Spínola.
Um a saudá-lo “nesta hora histórica e quando os hoquistas macaenses se integram na selecção nacional pela primeira vez” e outro pedindo a extensão a Macau da “abolição da censura prévia, dando como fiador sua integridade jornalista General Jaime Silvério Marques”.
Coincidência ou não, nesse mesmo dia, o major Henrique Lajes Ribeiro(15), na qualidade de chefe da Repartição do Gabinete do Governador reuniu com os directores e representantes dos jornais portugueses locais para “em nome de Sua Exª o Governador, como representante da Junta de Salvação Nacional, lhe dar conhecimento de que fora abolida nesta Província, a censura à Imprensa”.
Diz o “Notícias de Macau” que foi depois apresentada “uma comissão in loco” (sic) constituída por dois militares, o capitão-tenente Catarino Salgado e o capitão Estrela Soares. Assim, só a partir de 4 de Maio de 1974, os jornais portugueses de Macau deixaram de inserir o “Visado pela Censura”. Nesse dia são abundantes as notícias de Lisboa: dá-se conta do comício do 1º de Maio e da participação de Mário Soares e Álvaro Cunhal; do regresso do exílio de Fernando Piteira Santos e Manuel Alegre; da suspensão de sete funcionários da Emissora Nacional, entre os quais o Dr Clemente Rogeiro, presidente da Direcção vitalício; a custódia militar a que ficou confinado o ex-deputado Cazal Ribeiro; a mudança do nome do Ministério das Corporações para Ministério do Trabalho “por vontade dos sindicatos” e “tendo sido ocupadas as suas instalações pelo Exército”. Que a “Província” estava, apesar de tudo, muito longe de Portugal, prova-o essa edição do “Notícias de Macau” quando insere um trabalho de António Maria Zorro, director da ANI para o Ultramar subordinado ao título “a praga do esbanjamento” em que protestava contra o dinheiro gasto pela população no Entrudo. Vinha datada de Lisboa, Abril, 23, e foi a última peça da ANI a ser publicada em Macau...
*Este texto resulta de um trabalho inicialmente publicado pela “Tribuna de Macau” por ocasião da passagem do 20.º aniversário do 25 de Abril. O texto recebeu algumas notas explicativas sobre figuras menos conhecidas dos leitores que então não estavam em Macau, até porque já passaram várias décadas dos acontecimentos.
NOTAS
1. Nos meados dos anos 80 foi director do Gabinete de Comunicação Social de Macau no tempo do consulado Almeida e Costa;
2. A existência de um deputado pelo Estado da índia que tinha sido anexado pela União Indiana nos anos 60 era uma das ficções do regime anterior em Portugal;
3. O Comendador Morais Alves foi uma importante figura de Macau, onde desempenhou variadíssimos cargos com grande competência. A sua morte foi muito sentida nas variadas comunidades de Macau, onde gozava de grande prestígio;
4. Pedro Lobo foi uma figura da comunidade macaense com relevantes serviços na área da hotelaria e turismo;
5. Francisco Figueira haveria de ficar na história da vida pública de Macau pela defesa do património que nas décadas de 70 a 90 esteve “sob fogo” dos interesses dos promotores imobiliários;
6. Pai de José Manuel Rodrigues, advogado e actual presidente da APIM;
7. António Gonçalves Rapazote, foi ministro do Interior entre 1968 e 1973, responsável directo pela PIDE. Era considerado um dos “duros” do regime;
8. O general Kaulza de Arriaga ficou conhecido pelas campanhas militares em Moçambique. Era tido como um dos duros do regime desde que em 1961 contribuiu para desmontar o fracassado golpe de Estado de 1961;
9. Em 1974 já se chamava Assembleia Legislativa, mas não tem nada a ver com a AL criada pela Estatuto Orgânico de Macau. Tinha funções meramente consultivas e era composto por vogais escolhidos pelo Governador, que presidia;
10. Engenheiro. Mais tarde foi deputado eleito na Assembleia Legislativa;
11. Pai do ex-líder do PSD e actual comentador político Marcelo Rebelo de Sousa. Foi Governador Geral em Moçambique;
12. Pai de Edmund Ho, primeiro Chefe do Executivo da RAEM. Foi o líder da comunidade chinesa de Macau durante décadas;
13. Engenheiro. Responsável durante décadas pela firma H. Rodrigues que ainda hoje tem porta aberta na Nam Van, perto do BNU;
14. Docente do ensino secundário, Graciette Batalha foi a maior investigadora do “patuá”;
15. Nos anos 90 foi secretário-adjunto para a Segurança do Governador Rocha Vieira;
Artigo da autoria de José Rocha Dinis publicado no JTM de 25-4-2012

quinta-feira, 24 de abril de 2014

Fabricantes de papel-moeda do BNU

O BNU de Macau (no território desde 1902), à semelhança do que aconteceu com as demais colónias onde o BNU era banco emissor, recorreu a empresas externas para a emissão de "papel-moeda". A primeira emissão do BNU em Macau foi a denominada ‘Antiga-Simples’. Foi produzida em 1905 pelos britânicos da Barclay & Fry Ltd., uma companhia especializada na impressão de papel-moeda e papéis de valor. Outro dos fabricantes londrinos a fornecer o BNU de Macau foi a Waterlow & Sons Ltd. a quem foram adjudicadas as ‘emissões Pagode’ (1945) e ‘Brum da Silveira’ (1952) para Macau.
O contexto social e político de determinadas épocas e a localização das colónias onde o BNU estava presente fez com que por vezes o envio de papel moeda não fosse possível. Tal facto ocorreu durante por exemplo durante a guerra sino-japonesa que deixou o território isolado do mundo por via da ocupação e bloqueio naval dos japoneses de grandes partes da China, incluindo Hong Kong já quando a segunda guerra mundial se alastrou ao Pacífico.
 

Uma das remessas que não chegou a Macau foi a ‘Emissão Pagode’ no valor de 3.769.975 patacas. Ficou retida em Lourenço Marques (actual Maputo) e as notas só viriam a circular em Macau a partir de 16 de Novembro de 1945.
Após insistentes pedidos por parte do Governador Gabriel Maurício Teixeira, o Ministério das Colónias, em 1944, outorgou o Decreto n.º 33 517, autorizando a Filial de Macau a proceder à emissão de Certificados como "moeda privativa da Colónia, do valor nominal a estabelecer pelo governador de Macau".
Perante a escassez de meios de troca o BNU Macau teve de recorrer a duas empresas da região para a produção das notas e das cédulas de que necessitava. Foi o caso da Hong Kong Printing Press para a produção de cédulas que circularam entre 1920 e 1946 e da Litografia Sin Chon & Cia que emitiu os denominados certificados de 1944 em condições muito rudimentares.
A denominada "Emissão Certificados" foi impressa na Litografia Sin Chon & Cia em papel de fabrico local e com recurso a pedras litográficas calcárias. Numa das faces, tinham os desenhos dos Certificados que tiveram como modelo a ‘Emissão António Ennes’ para Moçambique. Na emissão macaense, a efígie de António Ennes foi substituída pelo Escudo de Portugal com palmas e laço, o selo do BNU foi elevado e manteve-se a Rosácea no fundo mas com outro pigmento.
As pedras litográficas pesavam cerca de 35 Kg cada. Foram cortadas em forma de hexaedro rectangular e com as arestas ligeiramente arredondadas. Apresentam na face frontal três desenhos distintos: um para a moldura, outro para o fundo e o último para a rosácea. O processo gráfico de produção dos Certificados foi a cromolitografia, que permitia a impressão a várias cores. Esta obrigação foi posteriormente alterada pelo Decreto n.º 33 577, de 15 de Março de 1944, que autorizou a delegação dessas atribuições noutros funcionários do Governo (o Subdirector ou os primeiros-oficiais) e do Banco (o Guarda-Livros, o Tesoureiro ou o Chefe de Serviços). Ainda assim foram feitas inúmeras falsificações.
Estes Certificados tiveram também a particularidade de terem sido a única emissão do BNU em que os ornatos, os textos e as imagens no Verso da nota foram impressos na vertical.
Os Certificados apresentavam como data de emissão, 5 de Fevereiro de 1944. Foram emitidos nos valores de 5, 10, 25, 50, 100 e 500 Patacas e cada valor facial tinha a sua cor. Na sua totalidade foram emitidos 1.284.000 Certificados até 1947, ano em que foram retirados de circulação.
A Casa da Moeda de Lisboa foi outro dos fornecedores do BNU de Macau. Assegurou por exemplo as emissões das Ruínas da Catedral de S. Paulo de 1973 e 1979.
João Botas in JTM de 17.4.2014

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Notícias 'breves': Março a Maio de 1991


Breves – Imprensa portuguesa de Macau
1 de Março, Macau Hoje
O governo de Macau vai decidir hoje a composição de uma Comissão de Técnicos, que irá até 10 de Março a Pequim, para discutir assuntos relativos às obras do aeroporto do território e a navegação aérea, anunciou Murteira Nabo.
2 Março, Tribuna de Macau 
O clube de corridas de cavalos de Macau vai triplicar as receitas até 1992, anunciou esta semana em Hong Kong o empresário Stanley Ho, que assumiu a liderança do CCC no passado mês de Dezembro. Integrada na estratégia da STDM de reactivação do clube, foi também anunciada a introdução de descontos para apostadores nas corridas de cavalos em Macau.
9 de Março, Macau Hoje
Mário Soares começa hoje o segundo e último mandato como Presidente da República Portuguesa. Macau é um projecto nacional e Mário Soares não pode falhar.
O cardiologista José Castel-Branco é o novo director dos Serviços de Saúde de Macau. Foi ontem empossado Director dos SS substituindo Júlio Reis, que terminou a sua comissão de serviço.
9 de Março, Tribuna de Macau
O navio da armada portuguesa Lorcha “Macau” concluiu esta semana uma viagem de 105 dias à Índia e ao Sri Lanka em missão de representação de Macau e Portugal no âmbito do programa das comemorações das descobertas marítimas portuguesas. A Lorcha efectuou uma viagem de 8.600 milhas marítimas, escalando o Vietname, Tailândia, Malásia e Singapura na sua deslocação à Índia e ao Sri Lanka. Capitaneada pelo capitão-tenente Sá Leal e com uma guarnição mista Luso-Chinesa de 13 homens, a Lorcha representou Macau numa série de eventos nos meses de Novembro e de Dezembro promovidos pela comissão territorial para as comemorações dos Descobrimentos, com apoio dos serviços de Marinha, Turismo, de Educação e Instituto Cultural de Macau.
Para participar nas comemorações dos 300 anos da Polícia de Macau, chega hoje ao território o Marechal António de Spínola, na qualidade de chanceler das antigas ordens militares.
18 de Março, Macau Hoje 
A reunião técnica luso-chinesa sobre o impacto sonoro do Aeroporto de Macau, que terminou este fim-de-semana, em Pequim, consagrou o apoio da RPC daquele empreendimento. Orçada em 70 milhões de contos, a obra estava bloqueada há seis meses devido à eventual poluição sonora.
11 de Abril, Macau Hoje
A Administração publicará até ao final do corrente ano legislação que oficializa a Língua Chinesa no território, disse o Chefe da parte portuguesa do Grupo de Ligação Conjunto Luso-Chinês. A administração do território procurará activamente a efectivação dos estatutos nas duas línguas, agora acordados entre as partes.
Pedro Catarino esclareceu que as delegações chegaram a um acordo sobre o sistema de emissão do Bilhete de Residente em Macau.
20 de Abril, Comércio de Macau
O 17º Aniversário do 25 de Abril não foi, uma vez mais, à semelhança dos anos anteriores, comemorado oficialmente em Macau, assinalando-se apenas a realização de alguns jantares de convívio promovidos por particulares.
20 de Abril, Editorial do Macau Hoje 
O que nos vai sair é por enquanto uma surpresa. Não sabemos o elenco e o General era major quando esteve por estas bandas, o mesmo é dizer que já se passaram alguns anos. As condições são outras e é preciso que Lisboa, sem excepção, compreenda o projecto de Macau. Será que desta feita Rocha Vieira terá a paciência necessária para explicar tanto a Cavaco Silva como ao próprio presidente o que é necessário para isto funcionar?
20 de Abril, Macau Hoje 
A Associação dos Advogados de Macau (AMM) vai transformar-se em associação de natureza pública e passará a ter poderes semelhantes aos da Ordem dos Advogados de Portugal, segundo um diploma aprovado pelo Governo e apreciado na reunião desta semana do Conselho Consultivo.
1 de Maio, Tribuna de Macau
O primeiro-ministro chinês, Li Peng, disse esta semana que a Lei Básica da futura Região Administrativa Especial de Macau deverá estar concluída em 1993. Falando na sessão inaugural da quarta sessão anual da Assembleia Popular Nacional chinesa, Li Peng sublinhou que o “Governo chinês tem dado passos positivos para assegurar a estabilidade e prosperidade em Hong Kong e Macau e tem feito esforços para proporcionar uma transição de poder sem problemas naquelas duas regiões”. O primeiro-ministro chinês reafirmou, por outro lado, que a China está pronta a aprofundar a cooperação com os Governos de Portugal e da Grã-Bretanha, na base das respectivas declarações conjuntas sobre os territórios de Macau e Hong Kong.
10 de Maio, Macau Hoje
É o general Rocha Vieira, o chamado Governador da esperança e todos estamos à espera que não seja esperança vã.
14 de Maio, Macau Hoje
Em cerimónia realizada na Direcção dos Serviços de Justiça, o Dr. Leonardo de Matos deu ontem posse a um grupo de sete notários privados do território que exercem simultaneamente a advocacia há mais de cinco anos em Macau.

terça-feira, 22 de abril de 2014

Mapa ca. 1910-1920

Mapa que serviu de referência para a China nas negociações com Portugal
sobre os limites territoriais de Macau

segunda-feira, 21 de abril de 2014

domingo, 20 de abril de 2014

Anúncios em inglês no BO: 1869

Uma "ração de café" em 1932

"Reconhecendo-se a necessidade de distribuir ao pessoal do Comissariado de Polícia de Macau nas noites de frio intenso uma ração de café e não havendo uma verba descrita" no orçamento abre-se um crédito especial para o efeito devidamente autorizado pelo ministério da colónias e pelo governo de Macau no valor de 8 mil patacas. A ração destinava-se aos elementos "em serviço de patrulha e prevenção". O diploma é assinado pelo Encarregado do Governo a 19 de Janeiro de 1932.

sexta-feira, 18 de abril de 2014

N. Sra. da Penha de França

A 28 de Julho de 1620, navegavam de Macau para o Japão, no navio S. Bartolomeu, as seguintes pessoas: Jorge da Silva, Capitão, Fernão de Arias de Morais, Bartolomeu Fragoso, António Gonçalves de Araújo, João Taveira, Manuel Fernandes Ferrão, Luís da Fonseca, Manuel Gomes, João Casado Viana, António Cordeiro, Francisco Pereira, Jácome Francisco de Paiva, António de Almeida, João Pacheco, Francisco Lobo Guerreiro, António Pinto de Oliveira, Jorge Carvalho e João Cavalim da Fonseca.
Às 5 h. da manhã desse dia, depararam com uma nau holandesa que, segundo eles referem, «nos foi seguindo sem nos largar, e por o nosso navio não ser muito ligeiro, se chegou a nós a tiro de bombarda, e logo nos tirou três bombardas, passando os pelouros por cima do Navio, por nos tirarem a dezaparelhar, e tudo nésta maneira fugindo nos sempre délla, por que viamos, que não tinhamos partido igual para podermos velejar, por que do muito aperto, em que nos viamos tudo velejando por ser o vento muito rijo, nos quebrou a verga do traquette, e em quebrando logo se foi chegando o inimigo, e tirou mais bombardas, e capiando nos com huma toalha, que amainassemos a vela grande, que levavamos, e vendo-nos neste tempo em tanto aperto, e necessidade, e sem remedio nenhum mais, que morrermos todos, como já estavamos determinados de nos queimarmos, tratamos de pedir a Virgem Nossa Senhora de Penha da França, que nos acudisse, e fosse nossa intercessora diante do seu Bendito Filho, para que nos livrasse e ajudasse contra os dittos nossos inimigos, promettendo-se todos em huma igual conformidade de lhe darmos hum por cento, de toda a fazenda assim nessa, como de nossas partes, de toda a fazenda que o ditto Navio S. m Barthollomeu levava para o Japão, para se fazer huma Ermida separada para a ditta Senhora, esta em vulto, na Cidade de Macao, e promettida a ditta esmola, logo immediatamente fomos socorridos da ditta Senhora, por que nos fomos sahindo dos dittos inimigos de baixo da sua proa».
A 13 de Maio de 1621, fizeram eles doação da esmola ao Convento de Sto. Agostinho para que ficasse padroeiro e administrador da ermida; se esta não se edificasse, seria nula a doação; os doadores seriam mordomos da ermida em vida. Aceitaram esta doação o prior do convento, Fr. Simão de Sto. António, o procurador Fr. Aurélio Coreto e demais padres, os quais no dia seguinte, 14 de Maio, obtiveram licença de Fr. António do Rosário, O. P., governador do bispado, para edificar a ermida «fora dos limites das Parochias».
vista sobre a Penha na década de 1950
O prior de Sto. Agostinho apresentou ao Senado o despacho do governador do bispado e pediu que lhe apontasse lugar «que mais conveniente for para a ditta Ermida em hum dos montes, da banda do baluarte da Barra». Os vereadores despacharam: «Damos a licença pedida pelo R. P. Prior de Sto. Agostinho, na melhor forma, que devemos, no lugar já assignado, não prejudicando aos naturaes, com que Sua Magestade nos manda ter toda a boa correspondencia, por ser necessaria para a conservação desta Cidade. Em Meza de Vereação o escrevy eu Nuno de Mello Cabral, Alferes, e Escrivão da
Camara désta Cidade, do nome de Deos na China, em 29 de Julho do anno do Nascimento de Nosso Senhor JESUS Christo, de 1621 annos.--Rodrigo Sanches de Paredes, Ponciano dÁbreu, Pedro Fernandes de Carvalho, Antonio dÓliveira Aranha, Gonçalo Teixeira Correa, Lourenço de Lis Velho».
Obtidas estas licenças, o prior de S. Agostinho, Fr. Estêvão da Vera Cruz e demais padres edificaram «huma Ermida da invocação de Nossa Senhora da Penha de França situada sobre o monte do baluarte de Nossa Senhora do Bomparto, que para isso estava, havia mais de hu anno dado, e assignados pelos ditos Vereadores, como he publico e notorio, e que aos 29 de Abril de 1622 depois délle Supplicante (Fr. Estêvão) dizer Missa na ditta Ermida, interposta a Authoridade da Justiça, o Tabelião Affonso Garcez em prezença de V. Mercê o metteo de posse da Ermida, e do sitio em que estava com os limites, e agoas vertentes do ditto monte... mandando por as maons pelas paredes, levantar terra, e pedras do ditto Oiteiro, e elle se houve por mettido de posse do ditto Oiteiro».
Como o dinheiro dos doadores não chegasse para a construção da ermida, o convento acudiu com 300 e tantas patacas. Daqui se vê que todo o monte da Penha foi doado pelo Senado aos Agostinhos.
Informa Ljungstedt que este monte se chamava Nilau: «A Este está um monte Nilao, no cume do qual está a ermida de Nossa Senhora da Penha». Deve ter razão, porque este nome foi dado à bica que ficava no sopé desse monte, como se vê dum documento de 22 de Agosto de 1795: «Diz Felipe Correa de Liger Cazado, e m.or nesta Cid.e que como este N. Sen.o tem entre outras hua terra baldia cita a Orta de D. Anna Correa, e Bica de Nilao, que ainda conserva prezentamente hum pousso, que fora feito p.lo Avo do Sup.o, pertende o Sup.e cento e vinte braças de Norte ao Sul, e outras tantas de Leste a Oeste».
A 25 desse mês António José de Gamboa informou que «o Chão baldio, q o Sup.e pede tem lugar que chegue a medida, mas deve ser p.ª a banda da Orta de Antonio Joze da Costa p.ª não embaraçar o Caminho da Fonte de Nilao».

O Senado, a 9-9-1795, concedeu-lhe o terreno pedido. Mais tarde, Nilao foi corrompido em Lilau. Nos documentos atrás citados, diz-se que se pretende levantar a ermida «em hum dos montes, da banda do baluarte da Barra»; e que a ermida foi construída «sobre o monte do baluarte d Nossa Senhora do Bomparto». A colina da Penha recebeu, pois, o seu nome da ermida de N. Sra. da Penha. Parece-nos que a ermida e o forte se construíram na mesma ocasião, pois em 1638 Avalo dizia que o forte de N. Sra. da Penha de França se chamava assim por ter «dentro uma ermida com este nome».
A ermida da Penha tinha um vigário, nomeado de 3 em 3 anos, sendo sempre um frade Agostinho, que ali dizia missa aos sábados, domingos e dias santos. A ermida vivia das esmolas dos fiéis, sobretudo dos navegantes, que, ao desembarcar, ali subiam a cumprir seus votos e promessas feitas durante a viagem.
Após a extinção dos religiosos em 1834, a ermida foi entregue ao Senado; mas, por portaria régia de 12 de Setembro de 1846, foi confiada aos devotos.
Essa portaria, datada de 12-9-1846, é do teor seguinte: «Sua Magestade a Rainha, a quem foi proposto o ofício N.º 26 da Junta da Fazenda da Província de Macau, Timor e Solor, datado de 16 de Junho, submetendo à Régia aprovação a resolução tomada pelo Leal Senado da Cidade de Macau, durante a sua gerência dos negócios da Fazenda Pública, de conceder a requerimento de quarenta moradores devotos da Senhora da Penha o usofruto e administração de uma ermida, que ali há com esta invocação, aos mesmos requerentes, Manda pela Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha e Ultramar, declarar à dita Junta da Fazenda que, atendendo ao cuidado e zelo, com que os referidos devotos tem tratado do arranjo da Ermida. Há por bem aprovar a resolução que o Leal Senado tomou de lhes conceder o seu usofruto e administração. Paço de Mafra, 12 de Setembro de 1846. Luiz da Silva Mouzinho de Albuquerque».
Essa Ermida era propriedade do Convento de Sto. Agostinho. Após a expulsão das Ordens Religiosas ficou o pároco de S. Lourenço incumbido da sua administração no respeitante ao culto; mas ao Leal Senado incumbia a sua superintendência, como gerente da Fazenda; pela portaria de 12-9-1846 foi a Ermida entregue aos devotos, ficando desde então sob a administração e jurisdição da autoridade eclesiástica, a qual nomeava o assistente ou encarregado da Ermida, que era o pároco de S. Lourenço.
Reconstrução
Na fachada da actual igreja da Penha havia uma lápide com esta inscrição:
Edificada em 1622
Reedificada em 1837
Um século mais tarde, em 1935, o bispo de Macau, D. José da Costa Nunes, mandou-a reconstruir desde os fundamentos juntamente com a residência episcopal. A igreja, o adro e a residência foram cercadas dum sólido muro. A igreja foi solenemente inaugurada a 13 de Outubro de 1935 pelo mesmo bispo, sendo a primitiva inscrição substituída pela seguinte:
CONSTRUÍDA EM 1934-1935 EM SUBSTITUIÇÃO DA PRIMITIVA CAPELA EDIFICADA EM 1622 E REEDIFICADA EM 1837
Protectora dos Navegantes
Montalto de Jesus escreve: «Num cume silvestre, os frades agostinhos tinham também a sua ermida, dedicada a Nossa Senhora da Penha de França (Notre Dame de France), protectora dos navegantes, em cuja honra os barcos portugueses davam uma salva ao aproximar-se de Macau, enquanto que em resposta os sinos da ermida tocavam um alegre benvindo; e à capela da Penha a multidão, ao desembarcar, ia com suas famílias, de pés descalços, render acção de graças, depositando ali ofertas pecuniárias, que algumas vezes tomavam a forma de dotações liberais prometidas na hora de grande perigo e aflição no alto mar -- costume este que encontra um paralelo nos marinheiros chineses, que, ao passar pelo pagode Ma-Kok, oferecem sacrifícios à deusa Tien Hong, para que lhes torne propícia a viagem. Macau possuía então muitas galeotas e patachos, que comerciavam com o Japão, Manila, Sião, Malaca e Índia».
Gruta de Nossa Senhora de Lurdes
A iniciativa da construção desta Gruta partiu de D. João Paulino de Azevedo e Castro. José Maria de Castro e sua esposa D. Casimira Fernandes Basto doaram para este fim o terreno que possuíam junto ao adro da Penha. Foi nesse terreno que em 1908 se construiu um arco de cinco metros de altura e outros tantos de largura e sob ele a Gruta com uma estátua de mármore de N. Sra. de Lurdes, oferecida por D. Vittória Spínola Pallavicino, natural de Génova.
Em Janeiro de 1927, foi ali colocado um altar de mármore, oferecido por António Artur dÉça, nonagenário falecido em Lisboa, em 1973. No adro da igreja da Penha foi erecta em 1909 uma estátua da Imaculada de 5 metros, de mármore de Carrara, que domina toda a cidade e sorri aos navios que demandam Macau. No fuste da estátua de N. Senhora de Lourdes, lê-se esta inscrição: Deiparae Immaculatae ad Lourdem coelitus adparenti anno quinquagesimo primo redeunte Urbs Macai pon. cur., que quer dizer: «A cidade de Macau erigiu este monumento à Imaculada Mãe de Deus no primeiro cincoentenário de sua aparição em Lurdes».
A iniciativa partiu do Pe. António Maria Alves, S. J., director das Congregações Marianas e das Filhas de Maria, as quais concorreram com as despesas, promovendo uma subscrição.
A coluna e a base foram trabalhadas em Hong Kong, sob a direcção dos arquitectos Messrs. Brown & James e a estátua feita na Itália.


Confusões
Bento da França, em Subsidios para a História de Macau, p. 62-63, escreve: «Em 1622 edificou-se a ermida de Nossa Senhora da Penha em uma das elevações mais pitorescas de Macau, ermida que ainda hoje existe e cuja imagem é muito venerada pelos marítimos. O auto legal da posse e a primeira missa foram em 28 de Abril de 1622. Esta ermida foi entregue aos religiosos de S Domingos que depois edificaram um convento junto a ella».
Há aqui vários erros: 1) a inauguração não foi a 28 mas a 29 de Abril; 2) não foi entregue aos dominicanos, mas aos agostinhos; 3) nunca foi lá edificado convento algum, mas uma residência para o capelão.
Levy Gomes repete os mesmos erros e ainda lhe acrescenta mais alguns, ao escrever no seu Esboço da História de Macau, p. 103:
«Liberta a cidade, com a derrota e fuga dos holandeses, deu-se posse do governo em 30 de Junho desse ano de 1622, ao Conselho Governativo, constituído pelo governador do bispado, Frei António do Rosário (presidente), e pelos moradores casados, Pedro Fernandes de Carvalho e Agostinho Gomes, que tinham sido providos no exercício da administração de Macau, por alvará do Estado da Índia, de 22 de Abril de 1622.
Foi durante este Governo que se edificou a ermida de invocação de Nossa Senhora da Penha de França, num dos pontos mais elevados e pitorescos de Macau, um autêntico mirante.
Fundada pelos frades de Santo Agostinho, com esmolas dos navegantes e moradores da cidade, foi mais tarde entregue aos dominicanos que, depois, junto a ela, edificaram um convento».
Os erros acrescentados por Gomes são: 1) a ermida foi inaugurada em 29-4-1622 durante o Governo da Capitão-mor Lopo Sarmento de Carvalho e não durante a administração do Conselho Governativo; 2) este não tomou posse a 30 de Junho, mas a 22 deJulho de 1622; deste dia até 15 de Julho de 1623, o Governo de Macau parece ter sido exercido pelo Senado, tendo Pero Fernandes de Carvalho e Agostinho Lobo assumido as funções de capitães da cidade em matéria de defesa, Chapas dos mandarins contra as Obras na Penha, no Bom Jesus e na Ilha Verde
Rodrigo Marim, no «Renascimento de Municipio Macaense», 371, escreve: «Também o corte do monte da Senhora da Penha (Tchu-csai) devia terminar, pois prejudicava, sobremaneira, os fetiches do pagode da Barra e sua serpente.»
Levy Gomes, no Esboço da História de Macau, copia: «Com semelhante pretexto, isto é, para se não interromper a beatífica tranquiladade dos fetiches e serpente do pagode da Barra, se nos mandava interromper o corte da Montanha da Penha».
No pagode da Barra não havia serpentes; estas só são veneradas em Penang, na aldeia de Sungei Kluang, onde há o «Templo das Serpentes» também chamado o «Rochedo de Nuvem Pura». Serpente refere-se ao dragão, que os chineses temiam ofender.
O que se deu foi o seguinte: O mandarim de Heung San requereu ao procurador de Macau que mandasse sustar o corte dum monte junto da ermida da Penha, no sítio denominado Tchu-Tchai, visto os principais moradores chineses se terem queixado de que isso prejudicava o fong-sôi (influência geomântica) do pagode da Barra.
Montalto de Jesus, no Historic Macao, deu a correcta interpretação: «Em 1829, ele (mandarim)mandou parar o corte da colina perto da ermida da Penha, para não prejudicar o fong-sui e o dragão subterrâneo do pagode Makok».
Luís Gonzaga Gomes, nas suas Efemérnides, diz o mesmo: «o mandarim de Heong-Sán pediu ao procurador do Senado que mandasse sustar o corte do monte, sítio conhecido por Tchu-Tchai, próximo da ermida de Nossa Senhora da Penha, em virtude dos principais moradores chineses se terem queixado que isso prejudicava o fông-sôi (influência geomântica) do templo da Barra».
Bento da França, nos Subsídios para a História de Macau, reproduz essa chapa de 1-4-1829, copiada das Efemérides de M. Pereira, e que é do teor seguinte: «O mandarim de Hian-chan, por appelido Len, faz saber ao sr. procurador que lhe consta estarem os europeus cortante o monte no logar chamado Tchu-csai (próximo da ermida de Nossa Senhora da Penha). Os principais moradores chinas de Macau viram que isto prejudicava o fom-xuei (agouro) do pagode da Barra e sua serpente, e pediram ao sr. Procurador que mandasse parar a obra. Para evitar que os europeus continuem em semelhantes abuso, officio ao sr. procurador que, obedecendo promptamente, o impedirá, a fim de evitar consequencias.»
Ora que vem a ser o Fong-sôi?
Os chinas consideram a natureza, não como uma estrutura inanimada, mas como um organismo vivo que respira. Supoem que existe uma cadeia de vida espiritual que liga todas as forças da existência, e que une, como num corpo vivo, tudo quanto subsiste no céu e na terra. Assim como os gregos atribuíram um espírito a cada pedra e a cada árvore e povoavam de sátiros os bosques, e de náiades os mares, assim procedem também os chinas. Fông-sôi baseia-se nesta concepção da natureza fundada em emoções e é constituído por quatro divisões: o hi ou sopro vital, o li ou ordem da natureza, o so ou produção numérica da natureza, e ying, ou formas aparentes da natureza. Tal é o sistema do Fông-sôi.
21 de Julho de 1831 (13.º dia de 6.ª lua da 11.º ano de Tau-Kuang).
«O mandarim de Hian-chan, por apelido Pau, fez saber ao sr. procurador que recebeu o seu ofício de resposta, sobre as obras que estão fazendo na ilha Verde; no qual ofício diz o sr. procurador que os portugueses estão, há mais de duzentos anos, na posse pacífica daquela ilha, e que ali plantaram árvores e construíram edifícios e um muro em roda da mesma ilha, parte do qual e alicerces antigos ainda existem, com uma casa e suas serventias.--Ao que tem a responder ele mandarim que desde o princípio da actual dinastia se contam cento e oitenta anos. Como é, pois, que há mais de duzentos tiveram ali edifícios os portugueses? Há muito tempo que a actual dinastia concedeu aos portugueses terem casas em Macau dentro dos muros do limite da porta de S. Paulo (ou de Santo António), pertencendo o terreno fora dos muros ao palácio imperial. Ora a ilha Verde, que está fora de Macau, situada no meio do mar, em distância de alguns lis, nada tem com as habitações europeias. Não se pode, portanto, consentir que seja designada como propriedade europeia, e que ali se fabriquem muros, porque deste modo se transgridem as leis. Recomenda, pois, ele mandarim ao sr. procurador
Texto da autoria do Padre Manuel Teixeira